Seriam então totalmente inúteis as tradicionais iniciativas de formação docente continuada?
por Anselmo Lima
Do estado de coisas descrito e discutido no post anterior decorre que o professor é injustamente visto como um não-especialista em sua própria atividade, apesar de executá-la todos os dias. Assim, na ocasião de uma dessas iniciativas de “formação docente continuada”, resta-lhe apenas supostamente “aprender” com um “verdadeiro especialista externo” em sua atividade, apesar de este muitas vezes não executá-la (ou nunca tê-la executado!). Decorre também que a vida da sala de aula permanece sem uma abordagem concreta e satisfatória ao longo do processo de formação continuada do professor. Decorre, além disso, que – longe de promover e cuidar – semelhantes ocasiões de “formação docente continuada” acabam por contribuir para, junto com o estresse do dia a dia docente, prejudicar ainda mais a saúde e o bem-estar do professor por meio de mais frustrações e insatisfações.
Neste ponto é preciso deixar bem claro o que não quero e o que quero dizer com tudo isso. Por um lado, não quero dizer que os tradicionais programas, cursos ou “momentos” e “períodos” de formação docente continuada sejam totalmente inúteis, pois eles podem talvez até ter algum valor e – ainda que raras – podem talvez até dar alguma contribuição para a melhoria da prática docente, mesmo que insuficiente. Por outro lado, o que quero sim dizer é que, em iniciativas de formação docente continuada, é preciso vincular todos os discursos sobre a docência a práticas docentes reais e concretas a eles correspondentes, em especial quando se trata da prática de ensino em sala de aula. O que quero também dizer é que é mais do que tempo de conferir a cada professor o estatuto de especialista em sua própria atividade, pois é ele quem a executa em seu dia a dia. Ninguém melhor a conhece se não ele mesmo, ainda que enfrente diversas dificuldades, que muitas vezes podem até parecer insuperáveis. Ninguém melhor e com mais propriedade poderia “falar sobre” e, com isso, transformar sua própria prática de ensino se não o próprio professor.
Assim, o que este Blog propõe é uma mudança de paradigma quando o assunto é a formação continuada do professor. Como ficará claro na sequência de posts, o atual paradigma estranhamente se caracteriza por um falar sobre a atividade docente sem a atividade docente; em outras palavras, a característica principal do atual paradigma de formação docente continuada é a de uma teoria manifestamente sem prática (do lado dos ilegitimamente denominados “especialistas”, os “figurões”) e a de uma prática supostamente sem teoria (do lado dos ilegítima e injustamente considerados “não-especialistas”, os próprios professores!).
Professor, o que você acha das tradicionais iniciativas de formação docente continuada de sua escola? Elas de fato o ajudam a resolver e superar os problemas e dificuldades que você enfrenta em sua sala de aula? Deixe um comentário.
É justamente isso que tenho falado. Essa descaracterização do professor. Em minhas palestras na UFMG, sobre educação dialógica, e, agora, no Rio de Janeiro, no LEDUC, insisto na escuta alteritária e na educação dialógica alteritária. A formação deveria saber ouvir as vozes dos professores, e teriam de incorporar a prática, desenvolver soluções conjuntas e não levar receitas prontas que não consideram os contextos específicos.
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Perfeitamente, Adail! O caminho é por aí mesmo: dar voz e ouvir as vozes dos professores em exercício é dever da formação tanto inicial quanto continuada. Um de meus objetivos neste Blog é a princípio mostrar na prática como se pode fazer isso e a diferença que isso faz para a formação e a saúde do professor. Obrigado pelo comentário!
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Quando o professor não se sente protagonista de seu trabalho ou respeitado como especialista de sua área, os esforços por “instruí-lo” são vãos… Conversando, há pouco, com uma amiga sobre a semana pedagógica de sua escola, me informou que os docentes, em grupos, receberam a tarefa de ler um texto para poder responder questões previamente formuladas por alguém. Segundo ela, tratava-se de um texto complexo para uma leitura coletiva. Já o número de cópias do texto era bem menor que o número de docentes que deveriam fazer a leitura para responder, posteriormente, a algumas questões… Enfim, relatou que os docentes passaram a tarde toda falando sobre suas aflições e reservaram apenas os últimos 30 minutos para responder as questões do texto não lido… Por que uma seleção de textos para a leitura dos docentes não conta com a sua participação? Ninguém como o docente conhece as necessidades do dia a dia do seu exercício profissional. Enfim, essa é uma prática antiga e ainda muito presente, pois já vivi a mesma experiência quando da atuação como docente na educação básica.
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Obrigado pelo importante comentário, Denize! O problema é mesmo real e é de fato necessário fazer alguma coisa para resolvê-lo. As instituições precisam saber trabalhar com os professores de uma outra forma, que respeite sua condição profissional de especialistas e sua autonomia. Por exemplo, além de participar com prioridade da escolha do texto para leitura e discussão, poderiam também eles mesmos elaborar as questões a serem respondidas, o que fariam entre si, com base em suas experiências práticas dentro e fora da sala de aula.
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Práticas como as relatadas pelo senhor e pela professora Denize estão disseminadas pela educação básica. Eu mesmo já participei de algumas e senti na pele a frustração que essas práticas causam. Também percebi que muitas vezes o que é falado na formação continuada não é realmente posto em prática pela direção e coordenação pedagógica. Passa uma semana e tudo volta como era antes…
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Exatamente, Dener. É também muito difícil deixar de utilizar uma determinada metodologia para aplicar outra que “realmente funciona” em sala de aula.
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A formação de um docente não se faz somente acumulando cursos, conhecimentos ou técnicas de “como fazer o ensino” – apesar de não serem totalmente negativos como citado no post –, mas especialmente pela reflexão dentro da própria atividade docente, levando em conta tanto as dificuldades como os êxitos, para dessa forma buscar significados e aprendizagens para sua prática.
O que observo em minha realidade como resultado das tradicionais iniciativas a formação continuada é que os professores têm sido, cada vez mais, destituídos de autonomia que lhes permita refletir, criar, inovar o processo de ensino-aprendizagem junto aos alunos, partindo de seus próprios contextos.
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Concordo! A reflexão dentro da própria atividade docente é essencial para a melhoria da prática. Ademais, entendo que isso só se dá quando os discursos trazem às “realidades reais” das diferentes salas de aula.
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Compreendo que o “especialista” que nos fala em encontros de formação continuada provavelmente fale porque estudou para isso. No entanto, sabemos que qualquer trabalho é mais produtivo quando o profissional se sente valorizado e consultado nas tomadas de decisão que interferem na sua prática. Isto é igualmente verdadeiro em sala de aula. Se o professor não se sentir atuante e valorizado em sua prática, não há palestra motivacional em semana pedagógica que lhe fará entrar em sala animado para fazer valer a sua aula.
Quem conhece as limitações da atividade docente é o professor que atua nela diariamente. É ele quem deve levantar hipóteses de melhorias e apontar o que precisa ser mais assistido pela escola. O professor precisa, urgentemente, ser reconhecido como especialista no que faz.
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Isso mesmo, compartilho do mesmo pensamento, se o professor não tem voz dentro da própria instituição, qual o motivo para ir trabalhar todos os dias? é de extrema importância dar voz, para que assim sejam escutados, e mais sejam motivados nesse processo.
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Concordo com o seu ponto, professor, os discursos precisam estar vinculados a situações reais e concretas de prática em sala de aula. Caso contrário, apenas trará frustração ao professor, dificultando a melhoria de sua prática.
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Sim, Barbara. Apenas o fato do professor conseguir se identificar com esses discursos já pode romper com o distanciamento que existe entre o profissional e aqueles que trazem críticas sobre os métodos utilizados em sala de aula.
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Exatamente Barbara, muitas vezes as palestras ofertadas deixam os docentes mais frustados, pois alem de não poderem compartilhar os problemas que vivem em sala de aula, acabam pensando que talvez somente ele encontre certas dificuldades por elas não serem discutidas pelo corpo docente.
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O mérito por trás da iniciativa de oferecer suporte aos professores através de sugestões e críticas construtivas é válido. Todavia, o que se torna problemática é a postura dos “conselheiros” em relação ao docente do ensino básico, por exemplo. Pela alta preocupação da academia em relação a pesquisa e estudos em áreas didáticas, uma falsa autoridade pode surgir no pesquisador sobre como ensinar, sendo que, em alguns casos, a experiência dessas pessoas no ensino básico pode ser ínfima em relação aos longos anos de estudos teóricos em seus departamentos nas universidades. Dessa maneira, creio que se faz necessário evitar a soberba acadêmica ao oferecer suporte ao professor, pois este também carrega saberes que não devem ser negligenciados.
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Emanuel, concordo muito com seus apontamentos. Os cursos de formação continuada que são muitas vezes oferecidos pelas universidades em parcerias com as Secretarias de Educação evidenciam a separação entre teoria e prática, uma vez que esses cursos são planejados na academia sem a participação dos professores.
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Promover um debate construtivo entre os próprios professores pode alavancar não só a individualidade de cada um, mas o corpo docente como um todo, pois ao compartilharem suas experiências conseguem ter um panorama geral da situação escolar e dessa forma podem se ajudar. Mas isso não exclui a possibilidade de uma outra pessoa (que não faz parte do corpo docente) dar um curso de formação continuada, no entanto, é de extrema importância que este de margem aos professores para que falem de suas práticas, pois como bem vimos em uma das aulas, o falar é uma realização do pensamento, e deve-se levar em considerações o que os professores pensam sobre suas próprias atividades em sala.
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O ponto que você colocou é essencial, Camila! É extremamente necessário que os professores possuam vez e voz nesses encontros de formação continuada. Caso isso não ocorra o professor não aproveitará adequadamente o momento e tenderá a se frustar.
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É essencial que como professores tenhamos voz ativa quanto as discussões a respeito da formação continuada, pois somos os verdadeiros especialistas no assunto.
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Concordo Bruno, as vezes em cursos ou discussões, procuramos ficar calados para não gerar confusões e pensamentos ruins sobre nós, mas devemos lembrar que é o nosso trabalho o qual estamos discutindo, e se existe questionamentos, é para a sua melhoria.
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Penso que as tradicionais iniciativas de formação docente continuada nas escolas, contribuem para melhorarmos a formação teórica, porem sempre esquecem de trazer uma formação sobre o bem-estar e a saúde dos professores, sendo que a maioria das formações docente raramente ajudam a resolver e superar os problemas e dificuldades encontrados em sua sala de aula.
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Quando falamos de formação continuada nas escolas, devemos lembrar que isso é para uma melhora do trabalho docente, e se isso não traz resultados, a explicação seria que a prática desenvolvida não está correta. Acredito que se aliarmos as teorias com as reais práticas docentes, avaliando métodos que trouxeram resultados positivos e os que foram negativos, então teremos como obter bons exemplos e mostrar aos docentes o que pode ser feito para melhorarmos nossas práticas nas escolas.
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Concordo claramente contigo, Alexia. Acredito que há uma riquesa de teorias as quais podem sim contribuir no processo diário do profissional educador de forma funcional. O que precisamos é de especialistas capazes de analisar o âmbito em que a escola está inserida, os aspectos que influenciam o corpo estudantil, os perfis de cada profissional e os alunos, pensando em formas de adaptar a teoria para a real prática do processo.
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Sendo o professor digno de respeito em seu próprio trabalho, facilitaria a abordagem de uma formação continuada com os “figurões”. Porém, é uma afronta para o professor ser insinuado como um profissional capacitado que não faz uso de nenhuma metodologia. A voz do professor deve aparecer mais em horas como essa (da formação continuada), pois, além de tornar dialógica a discussão, há um ganho muito maior de receptibilidade e interesse de quem estava antes apenas sentado ouvindo a tudo.
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O título da postagem nos faz refletir a respeito da nossa prática e de como olhamos para nós como profissionais. Acredito que boa parte das iniciativas tradicionais de formação docente continuada que vemos em âmbito estudantil consistem em apanhados teóricos que desconsideram uma realidade educacional que não pode passar despecebida. Essa falta de instrução/direcionamento refletirá em uma prática frustrada e, consequentemente, em um profissional frustrado e desmotivado.
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Como já temos discutido esse assunto, a formação continuada tem sido insatisfatória, deixa a desejar por não atender a realidade do professor em sala de aula. Porém, é preciso que o professor tenha voz ativa, pois ele é o especialista em educação.
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Concordo plena com o conteúdo dessa postagem, vemos nos programas de formação continuada a busca por pessoas de fora, para falar sobre assuntos que estão presentes dentro da sala de aula e, isso acaba por desmotivar muito os profissionais que estão ali presentes.
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