Compreender o trabalho humano para compreender o trabalho do professor: da prescrição à realização
por Anselmo Lima
É óbvio que o trabalho docente, como trabalho humano que é, nada tem a ver com o funcionamento de engrenagens articuladas em uma máquina qualquer. Mas tem muito a ver com a oposição entre “trabalho prescrito” e “trabalho realizado”. Trata-se de um par de conceitos centrais na ciência denominada “Ergonomia da Atividade”. Para compreendê-lo, é preciso saber que o objeto de estudo dessa ciência é o trabalho humano, o qual se define como a unidade 1) da atividade do trabalhador; 2) das condições dessa atividade; e 3) dos resultados dessa atividade. É preciso também ter clareza do que seriam para essa ciência os conceitos de “tarefa” e “atividade” relacionados ao próprio conceito de “trabalho”.
TAREFA – É muito comum que os trabalhadores se refiram a seu trabalho em termos das tarefas que realizam. Em uma empresa, por exemplo, quando perguntados: “o que você faz?, alguns dizem: “eu gerencio a produção”, “ele contrata pessoal”, “eu monto eletrodomésticos”, “ele conserta máquinas”, etc. Já em uma escola, quando se pergunta a um professor o que ele faz, é muito comum que a resposta seja: “eu dou aulas”. Entretanto, “tarefa” e “trabalho” não são a mesma coisa. A tarefa pode ser definida como a previsão de um resultado esperado dentro de condições ideais. Mas as condições ideais nunca coincidem com as condições reais e, por isso mesmo, o resultado que se espera nunca é o resultado que efetivamente se alcança. A tarefa pode então ser definida também como aquilo que é prescrito ao trabalhador por outros ou por si mesmo. A tarefa é a prescrição.
ATIVIDADE – Tendo em vista que as condições ideais e as condições efetivas de trabalho nunca coincidem, a atividade do trabalhador corresponde justamente a um desenvolvimento contínuo de estratégias de adaptação a situações reais de trabalho em tempo real. Assim, é inevitável que haja sempre uma distância entre o “trabalho prescrito” e o “trabalho realizado”. Em outras palavras, o que se pede ou se espera do trabalhador entra constantemente em contradição com aquilo que as condições ou circunstâncias reais de trabalho exigem dele, sendo o trabalhador obrigado a buscar e implementar formas de resolução desse conflito. Assim, pode-se dizer que o objeto de estudo da Ergonomia pode também ser definido em termos da atividade de regulação, de antecipação, etc. das quais o trabalhador lança mão para obter êxito naquilo que faz.
TRABALHO HUMANO – Tendo em vista o que acaba de ser dito sobre a tarefa e a atividade, é possível afirmar que o trabalho humano – em sua complexidade – pode ser definido de pelo menos três pontos de vista: 1) como objeto da prescrição; 2) como atividade de conciliação da prescrição com as condições reais de sua realização; e 3) como resultado dessa atividade.
Professor, essa compreensão geral do trabalho humano é útil para compreender o trabalho docente nas escolas? Você percebe em sua atividade de ensino cotidiana a distância entre o que se espera (o prescrito) e o que é de fato possível fazer (o realizado)? Seu ponto de vista é fundamental! Prestigie-nos com um comentário.
Bem-vindo, professor! Parabéns pelos seus textos!
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Roberto, obrigado! Espero que os textos possam ser úteis a todos os que trabalham com educação, especialmente aos professores.
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Perfeito! Entre o que é esperado do trabalho (docente), o percurso que se deve fazer para concretizá-lo, o que realmente se consegue fazer e o que os outros percebem como resultado, produto final, há muito o que discutir… Ótimo post, assim como os anteriores. Está claro o aprofundamento gradual nos textos para a discussão sobre o trabalho e a saúde do professor. Parabéns!
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Ao pensarmos na profissão do professor, observamos o quão complexa ela é, como citado no texto, ela está totalmente distante de ser algo padrão e uma atividade rotineira, não conseguimos apenas ligar um botão de dar aulas, ou fazer uma máquina funcionar e pronto, lidamos com mentes humanas e também somos humanos, precisamos saber lidar com imprevistos e também nos cuidarmos para não chegar no adoecimento, por isso, a formação continuada de forma concreta e bem estruturada, possibilita ao docente uma melhoria em seu ambiente de trabalho, pois possibilita a sua melhor preparação para enfrentar imprevistos.
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Obrigado, Vera, pelo comentário! Você compreendeu a ideia do post perfeitamente! Compreendeu também com precisão a proposta do Blog: aprofundar gradualmente, ao longo da sequência de posts, uma discussão sobre a formação continuada, incluindo o trabalho docente, em articulação com questões fundamentais de saúde do professor. Continue acompanhando as publicações!
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Compreender a totalidade do trabalho humano e, por consequência, docente, é fundamental, pois leva os professores a tentar superar o sentimento de frustração que muitas vezes sentem ao realizar as leituras dos textos utilizados nas formações continuadas da Educação Básica, já que, o que se percebe é uma distância enorme entre aquilo que “deveria” ser feito e o que é realmente possível de ser realizado.
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Olá, Sirlei! Você toca em um ponto central das discussões deste Blog: o “sentimento de frustração” que “muitas vezes” os professores experimentam. Quando esse sentimento aparece e permanece, o resultado é quase sempre o adoecimento docente no trabalho. Um dos papéis de uma proposta de formação docente continuada que se preocupe com a saúde docente é trabalhar com os professores de modo que eles se sintam realizados, e não frustrados. Há nisso um importante operador de saúde no trabalho.
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Interessante! Traz uma grande reflexão tanto sobre a saúde emocional quanto sobre a saúde física do professor. E precisa sim estar inserido no ambiente escolar. Parabéns!
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Obrigado por seu comentário, Rosemeire! Fico feliz que você tenha identificado esse tipo de reflexão fundamental nos textos do Blog. Sem dúvidas é necessário que aquele que pretende trabalhar na área de saúde do professor esteja inserido no contexto de trabalho concreto das escolas, especialmente nas salas de aula.
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Muito bom enunciado, Professor Anselmo! Me identifiquei com o texto, principalmente onde afirma que as condições ideais e as condições efetivas de trabalho nunca coincidem. Isto gerou um sentimento de alívio quanto à frustração que muitas vezes sentimos ao final de uma dia de trabalho. Neste sentido, concordo com a Sirlei que, quando compreendemos este processo, ele nos ajuda a superar o sentimento de frustração. Para contribuir com a reflexão entendemos que é quase impossível a realização plena pelo trabalho, quando este acontece de maneira alienada, fragmentada, puramente repetitiva. Nesse caso, o trabalhador não se reconhece no que realiza. Como ocorre no Sistema Capitalista em que vivemos, o que menos importa é a realização humana e o que mais importa é o lucro a qualquer custo. Neste processo existe uma coisificação do trabalho humano, que, ao invés de trazer reconhecimento, nos leva à frustração. Esta faceta da coisificação humana no Capitalismo entendo ter sido colocada de maneira contundente por Marx, no Manifesto do Partido Comunista, quando descreve: “A burguesia desempenhou na História um papel eminentemente revolucionário. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus “superiores naturais” ela os despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do “pagamento à vista”. Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal”. Tendo em mente esta passagem de Marx, entendo ser um desafio a plena realização humana através do trabalho, no Sistema de Produção Capitalista em que vivemos. Obrigado e um abraço!
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Sergio, ter a clareza de que as condições ideais apresentadas nas prescrições nunca coincidem com as condições reais de trabalho, que tendem sempre a ser precárias, realmente conforta e libera o professor de muitas frustrações. O que não pode em hipótese alguma ocorrer é que o professor se sinta incompetente ou incapaz por conta de não conseguir fazer alguma coisa que suas condições de trabalho não permitem. É que, nesse caso, a “culpa” é das condições precárias de trabalho, e não do professor. Quanto à questão do capitalismo, ela se manifesta de forma muito clara por meio do paradigma do especialista externo no trabalho do professor. Na medida em que os professores são ideológica e estrategicamente construídos pela “indústria educacional” como incompetentes naquilo que fazem, surgem aqueles que – embora muitas vezes não façam o trabalho concreto dos professores – se apresentam como os especialistas que “sabem tudo” sobre esse trabalho e que, a partir de então, passam a comercializar seu “saber” como a única solução possível para todos os problemas da educação. É preciso resgatar o saber real da prática docente concreta. Especialistas no que fazem são os próprios professores. Obrigado pelo comentário e pelas reflexões. Um abraço!
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Embora, com o advento da tecnologia e com a aceleração da vida moderna muitas das ações do homem tenha se tornado mecânica, é necessário lembrar que ainda somos seres humanos e que precisamos desacelerar quando as coisas começam a ficar em um ritmo frenético. Vale lembrar também, que somos seres que trabalham com OUTROS seres, e dessa forma é impossível cumprir com êxito o que a prescrição nos diz, afinal a realidade nos trás muitos imprevistos, impedindo-nos de fazer exatamente o que está escrito nos documentos. Diante disso, cabe ao professor fazer aquilo (muito bem feito) que está a seu alcance, levando em conta que seus alunos também tem seus dias ruins e que muitas vezes o que está no plano das ideias não irá se concretizar no plano real, mas nem por isso o docente fracassou em prática.
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Penso ser extremamente importante refletir sobre como as tecnologias têm afetado o comportamento humano, especificamente a prática docente, Camila! Muitas vezes, nessa nova lógica, somos tratados como meros reprodutores e “os donos do poder” esquecem que somos seres humanos com nossa subjetividade.
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Essa reflexão é bem interessante, professor! Há diferenças, contradições e incompletudes entre o trabalho prescrito e o trabalho realizado. No entanto, muitos docentes da educação básica não compreendem isso e, por esse motivo acabam se frustrando. Obviamente, cabe ao professor seguir as prescrições ao máximo possível, pois sem elas a atividade docente ficará à deriva do conhecimento do senso comum.
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Professor, vejo que, em nosso contexto, a atividade docente não tem sido considerada um trabalho como os outros. Prova disso são as inúmeras vezes que ouvimos alunos perguntarem se nós trabalhamos ou “só damos aulas”. A prática docente é, sim, um trabalho e é de fato importante que haja uma valorização deste trabalho pela sociedade e que o professor compreenda que, como em outras funções, existe um hiato entre o trabalho prescrito e aquele que é realizado. Essa consciência diminuiria as frustrações do professor por não ter cumprido, na íntegra, aquilo que planejou para sua aula.
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Franciely , com certeza a atividade docente não é vista como trabalho por inúmeras pessoas. a sociedade esquece que ser professor é uma profissão e pensam muitas vezes que fazemos isso por ser uma vocação.
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Concordo, Fran, também coloco que precisamos agir nos nossos círculos de convivência de maneira a desmistificar o senso comum de que “dar aula é dom” ou de até mesmo do exemplo que você citou de sermos questionados pelos nossos alunos se temos outro trabalho…
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Acredito que se um trabalho não for ergonômico ele fará mal para o trabalhador. Imagino que o precisa ser feito para que o trabalho do professor seja ergonômico e cuidar da saúde do professor, porem isso é deixado de lado.
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De fato, a saúde do professor não é considerada como deveria. Este é um problema que deveria estar na pauta de preocupações dos governos e gestores da Educação, pois afeta a atividade docente e consequentemente os alunos saem perdendo. Algumas mudanças precisam vir de instâncias superiores ao professor ou à escola, mas acredito que muitas também estão ao alcance do professor e da equipe pedagógica que atua na escola.
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Infelizmente isso é uma realidade Janaína, mas acredito que em algum momento, isso será melhor trabalhado nas escolas.
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As imprevisibilidades dentro da atividade docente são o que fazem, em meu ponto de vista, o trabalho do professor ser um dos mais complexos. Podemos pensar a inclusão como exemplo nesta discussão entre o trabalho que é prescrito e o que é de fato realizado pelo docente. É comum ouvir de professores que a inclusão como esta nos documentos é “muito linda”, mas que na realidade as escolas não possuem, muitas vezes, nem a estrutura necessária para poder por em prática aquilo prescrito nos documentos e leis.
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Exatamente, aquilo que está escrito na teoria é muito lindo, no entanto na realidade é tudo diferente. Claro que a prescrição é importante, mas atuando nós sabemos que é a situação é outra.
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Realmente, nós e nossos alunos possuímos nossas subjetividades como seres humanos, então aquilo que é prescrito quase nunca é realizado pois os alunos são diferentes uns dos outros, daí vem a necessidade de se criar estratégias e reinventar em vários momentos, porém isso muitas vezes é frustrante pois os objetivos estimados não são alcançados na maioria das vezes. A ergonomia no trabalho do professor tem um papel fundamental ao priorizar a saúde do profissional.
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Exatamente Bruno, é nesses momentos em que vemos o quão importante é olhar para o professor e, principalmente cuidar da sua saúde, porque ele deve estar em condição total de poder enfrentar todos os imprevistos ao entrar em sala de aula.
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Professor, essa discussão é muito pertinente, tendo em vista o distanciamento entre o trabalho prescrito e o realizado. Principalmente porque o primeiro é feito em condições ideais enquanto que o segundo é a realidade do professor, são as condições reais de trabalho. Entendo que compreender esse distanciamento é o primeiro passo para diminuir a autocobrança do profissional docente.
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Esse distanciamento acaba corroendo a própria atividade docente e, decorrente disso, há o estresse físico e emocional pelo próprio professor sentir essa incapacidade em sua área.
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De fato, realmente existe essa dificuldade em descrever o trabalho do professor. Resumir tudo a um simples “eu dou aula” é, de certa maneira, uma própria desvalorização de nosso trabalho. Contudo, também seria cansativo detalhar todas as atividades e avaliações que um docente realiza quando se faz uma pergunta onde tenha que responder em um curto espaço de tempo a sua atividade como um todo. Em relação à ergonomia, acredito que o ambiente para a atividade docente ainda não tenha todos os recursos para aliar prática à teoria, visto que ambas andam juntas. O que não pode ocorrer e que, mesmo assim, ocorre com frequência, é o desgaste do professor. Inclusive já há um nome para esse desgaste físico e emocional, chamado “Burnout”
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Com certeza, Angelo. A complexidade que envolve definir e caracterizar a função de um educador acarreta uma série de questionamentos que precisam ser levados em conta a fim de entender como o profissional pode atuar melhor e com menos desgaste.
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Da mesma maneira que um profissional de qual área necessita que suas atividades sejam avaliadas a fim de torná-las mais produtivas e menos desgastantes, o professor precisa da mesma atenção. Além disso, por tratar-se de um processo em que o docente precisa trabalhar em conjunto com seus companheiros de trabalho, os alunos, ao invés de manipular ou repetir determinada tarefa mecânica, faz-se ainda mais indispensável a supervisão e o auxílio daqueles ao redor do professor em relação a sua condição de trabalho, pois lidar com seres humanos requer muito mais atenção, esforço e preparação do que atividades com objetos inanimados.
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Concordo com você, Emanuel. Nossa área de atuação não é algo previsível, possível de ajustar e manipular. Trabalhar com seres humanos requer, além de amplo conhecimento, um cuidado especial. Qualquer profissão exigirá do profissional e da gestão que o lidera que estes atentem-se ao processo em execução e ao pressuposto dessas atividades.
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Acredito que as várias áreas de estudo da ergonomia, tanto a inglesa, com os métodos físicos de adaptação os quais contemplam o normativo 17 das NRs, quanto a francesa, a qual foca na adaptação processual, são um somativo em prol da saúde física e mental de nós, professores. Como prática profissional, percebo em minha área de atuação um posicionamento fantástico dos fisioterapeutas ergonômicos do trabalho, os quais focam não tão somente nas práticas de adaptação mobiliária e exercício laboral, mas também no aprimoramento de fluxogramas, com enfoque na saúde mental. O governo, atualmente, unificou as formas de envio de informações a respeito da área de SST, através de uma plataforma digital, antes conhecida como eSocial, a qual é composta por campos identificados por “eventos”. Dentre esses eventos, fez-se obrigatório o envio de dados relacionados a riscos organizacionais e psicossociais, estando o empregador sujeito a multa por omissão de informação e descumprimento legal. A estimativa é que em 2020 todas as empresas privadas e órgãos públicos estejam enviando suas informações à essa plataforma digital, a qual servirá como uma espécie de fiscalização do antigo Ministério do Trabalho – MTE, atual Ministério da Economia/Secretaria de Trabalho. Com isso, acredito que será o início de um longo processo de desconstrução cultural que temos enraizada em nosso país, onde doenças mentais são secundárias ou ignoradas.
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Ótimo post! Através dele podemos refletir sobre como está a saúde física e emocional do professor.
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Nós como professores percebemos o quanto é real isso, do que é programado e da realidade da sala e, muitas vezes temos que mudar na hora a programação, ao perceber que não está funcionando. Nesses momentos vemos a necessidade do professor estar preparado para enfrentar esses momentos e, voltamos ao assunto da formação continuada, que se fosse bem preparada poderia ajudar os professores nesses momentos.
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