Impessoal e pessoal: duas das quatro dimensões da profissão docente
por Anselmo Lima
São quatro as dimensões da profissão e da própria atividade docente: 1) impessoal; 2) pessoal; 3) interpessoal; e 4) transpessoal. Embora eu as apresente neste Blog em dois pares, um neste post e outro no próximo, é importante ressaltar que essas dimensões são indissolúveis ou inseparáveis, não existindo independentemente uma das outras.
DIMENSÃO IMPESSOAL – É constituída pelas prescrições, sejam elas oficiais ou oficiosas. Essa dimensão da profissão docente tem esse nome justamente porque o trabalho educativo prescrito em si e por si é, na realidade, trabalho de ninguém: não se pode identificar – por exemplo – o nome do professor que o executou, executa ou executará. Essa dimensão da profissão é também dita impessoal porque diz respeito a um trabalho docente abstrato, cujo resultado é antecipado de acordo com condições ideais de realização, as quais – como indiquei em um post anterior – nunca correspondem às condições reais. Assim, esse trabalho docente não pertence a ninguém, a nenhum professor, sendo impessoal.
DIMENSÃO PESSOAL – Essa dimensão da profissão docente diz respeito a um processo gradual de pessoalização do trabalho impessoal das prescrições. Esse processo se dá na medida em que, para executar o trabalho, dado professor de carne e osso – em resposta às prescrições – desenvolve continuamente estratégias de adaptação a situações reais de trabalho em tempo real. Nesse caso, as prescrições – uma vez recriadas para corresponder às condições reais do trabalho de ensino-aprendizagem nas quais o professor se encontra – passam a ser autoprescrições. Dessa forma, contrariamente ao que se dá na dimensão impessoal da profissão, trata-se aqui de trabalho docente que efetivamente se realiza e que – por isso mesmo – passa a ser trabalho de alguém, de um professor real, tornando-se então possível identificar o nome do docente que o está executando, executa ou executará. Em outras palavras, a dimensão pessoal da profissão docente corresponde a uma apropriação da dimensão impessoal pelo professor em atividade: o trabalho de ensino-aprendizagem de ninguém passa a ser trabalho de ensino-aprendizagem de alguém, de um educador/trabalhador específico.
No próximo post vou discutir as dimensões interpessoal e transpessoal da profissão docente. Por ora, fica a questão:
Professor, como especialista em sua própria atividade, você tem liberdade institucional para pessoalizar a dimensão impessoal de seu trabalho? Em outras palavras, você tem autonomia em sua escola para fazer seu trabalho do jeito que você entende ser o melhor ou é pressionado para que execute o trabalho do jeito que a instituição quer, e não do jeito que você entende ser o melhor? Deixe um comentário e compartilhe suas experiências com outros colegas professores!
Fico pensando em quantas vezes damos nosso melhor na dimensão pessoal e falta reconhecimento das intituições. Certamente isso nos causa sofrimento e adoecimento.
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Dalvane, é sem dúvidas o que acontece com frequência. Várias instituições equivocadamente acreditam que o trabalho docente pode ser realizado tal qual prescrito e exigem isso dos docentes, que fazem seu melhor no processo de realização, mas – em função da distância inevitável entre o prescrito e o realizado – seus esforços de conciliação entre o ideal e o possível são desconsiderados. Nesse caso, ao sofrimento segue-se o adoecimento. Obrigado pelo comentário!
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Achei interessantíssimo esse post. Lendo-o lembrei-me da tarefa árdua dos professores em ter que “vencer” os conteúdos do livro didático (creio ser uma forma prescrita para o desenvolvimento das aulas). Em uma aula real (longe das condições ideais) o professor não consegue trabalhar com TODO o conteúdo presente no livro e muitas vezes assuntos importantes acabam passando “batido” pelos olhos dos alunos, apenas pelo motivo de: “os professores PRECISAM dar conta de todo conteúdo”, o que acaba sendo prejudicial para o discente que não aprendem para a vida mas sim para responder uma prova. E dessa forma cada um faz a sua parte, mas não se sabe ao certo se na realidade está sendo eficaz.
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Interessante notar que as duas dimensões apresentadas sejam inseparáveis, de fato o são! No entanto, a distância que há entre o que é prescrito nos documentos oficiais, idealizados por pessoas que provavelmente nunca estiveram em uma sala de aula, torna o trabalho algo difícil de ser conciliado, dadas as condições apresentadas pelas escolas públicas. Este conflito entre o que “deve ser feito” e “o que temos pra hoje” demonstra uma total incoerência entre o que é pedido e o que é realizado. O resultado é a inércia – um sentimento confuso que paralisa psicológica, física e emocionalmente.
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Prezada Claudia, fiquei sinceramente emocionado ao ler seu comentário! É justamente esse o ponto! Não se pode falar em formação continuada sem se considerar as condições de trabalho do professor nas escolas e sem haver uma real preocupação com sua saúde e bem-estar. Muitas vezes, quando o professor não consegue realizar o que é pedido ou esperado por causa da precariedade de suas condições de trabalho, é responsabilizado e desprezado como incompetente. Isso é absurdo! O resultado é mesmo a inércia da qual você fala e, nessa situação sentimental complexa, é inevitavelmente a saúde do professor que se degrada. Muitíssimo obrigado por seu comentário! Continue acompanhando os posts. Gradativamente chegarei ao ponto em que começarei a expor um Programa de Formação Docente Continuada que implementei em uma instituição pública de ensino e que incide em cheio sobre essas questões: formação, trabalho e saúde do professor. Será ótimo tê-la conosco!
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Achei interessantíssimo esse post. Lendo-o lembrei-me da tarefa árdua dos professores em ter que “vencer” os conteúdos do livro didático (creio ser uma forma prescrita para o desenvolvimento das aulas). Em uma aula real (longe das condições ideais) o professor não consegue trabalhar com TODO o conteúdo presente no livro e muitas vezes assuntos importantes acabam passando “batido” pelos olhos dos alunos, apenas pelo motivo de: “os professores PRECISAM dar conta de todo conteúdo”, o que acaba sendo prejudicial para o discente que não aprendem para a vida mas sim para responder uma prova. E dessa forma cada um faz a sua parte, mas não se sabe ao certo se na realidade está sendo eficaz.
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Concordo, Camila! Sempre devemos pensar na sala de aula como um ambiente heterogêneo e que muitas vezes a forma como o livro didático traz determinado conteúdo não é a ideal para aquele contexto e o professor deve ter a autonomia de fazer essa seleção de conteúdos e propostas.
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Faço das suas palavras as minhas. É exatamente dessa forma que vejo as coisas acontecerem. Não há o estudo para o próprio conhecimento, mas sim, o estudo para a aplicação da prova. A constante pressão que o professor recebe acaba matando sua criatividade para construir novas práticas.
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Não só a formação do professor se dá na esfera impessoal, mas também muitas vezes as orientações provenientes da equipe pedagógica também partem desse olhar, um olhar que não se importa com as condições reais de realização do trabalho e que apenas quer resultados. É urgente que a formação inicial seja reformulada e as equipes pedagógicas recebam formação adequada para que o professor não adoeça.
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Exatamente Dener, precisamos dessa reformulação em todos os contextos que envolvem o ensino aprendizado, para que se tenha um harmonia, e que aos poucos haja mudanças significativas e que tragam resultados para nossa educação.
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Após ler esse post comecei a refletir sobre como os professores, principalmente os que trabalham em instituições de ensino privadas não possuem autonomia em sua escola e há a pressão para que o profissional execute o trabalho que a instituição quer. Aproveito o momento para compartilhar que certo dia tive o desprazer de escutar uma conversa no ônibus, na qual duas mulheres conversavam sobre os professores do estado, conversa vai e vem, uma dessas relatou que os professores lutam e fazem greve por melhores condições de trabalho, quando na verdade ganham muito bem, quando comparado a outras profissões. Após esse comentário, a outra opinou que os professores deveriam ganhar de acordo com o rendimento do aluno… Ou seja, se o aluno foi mal na disciplina de matemática, deve haver um desconto de salário do professor de matemática, ela explicou… De fato, fiquei muito triste em escutar tudo isso a respeito de nossa profissão, tão importante e formadora. Entendo que essas discussões sobre autonomia do professor, bem como as dos posts anteriores, relacionadas as diferentes realidades em sala de aula e saúde do professor precisam ser feitas urgentemente, primeiramente entre nós, professores, para depois se ampliar para a comunidade.
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Agora eu fico pensando, nós ainda somos jovens e estamos iniciando nossa trajetória na educação, mas imagina se é um professor que já está desmotivado, com vários problemas de saúde (tanto mental como física) que escuta uma conversa assim?
O problema está em todos os lugares, as pessoas não medem esforços para criticar, é muito triste saber que nossa profissão é desvalorizada, no entanto, estamos nos formando para isso para mostrar que há um outro lado da moeda e que TODOS precisam dos professores.
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Exatamente, Camila!
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O professor como especialista da sua atividade tem a experiência para julgar qual é a coisa certa a se fazer em cada contexto. Em escolas onde o professor possui maior autonomia para realizar sua prática, noto por parte deles o comprometimento, acompanhado de momentos de incertezas e inseguranças, por ter consciência da heterogeneidade dos alunos, uma preocupação com a sua aprendizagem e com o desenvolvimento.
Na escola de rede municipal em que trabalho, nós temos autonomia e ainda apoio da gestão e equipe pedagógica através da experiência, da busca do novo, de novos métodos, e claro, de soluções para os problemas enfrentados em classe.
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Penso que se todas as escolas fossem iguais ou parecidas com essa em que você trabalha, os professores conseguiriam enfrentar os problemas encontrados em sala de aula com mais tranquilidade pois teria apoio para isso.
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Como o post relata as dimensões são inseparáveis, concordo, pois na dimensão impessoal não existe ninguém realizando o trabalho que é prescrito em condições ideais e já na pessoal o professor tenta adaptar essas condições ideais para a realidade.
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É exatamente isso, Janaina. O professor está em um constante processo de adaptação e readaptação entre as prescrições e as condições reais de trabalho. Um exemplo disso é a forma que muitos professores utilizam o livro didático, adaptando as atividades e temáticas para que melhor correspondam a realidade de cada turma.
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Muito interessante observar como uma prescrição, que antes era um trabalho sem resultados reais, sem vida, ao ser introduzido em sala de aula, se torna uma recriação que poderá servir de exemplo e contribuição para aulas futuras. Isso me faz refletir, de como nosso trabalho é construído aos poucos e que a cada dia é um novo aprendizado. Lembrando que de fato a dimensão pessoal esta totalmente ligada a dimensão impessoal, uma vez que ela da vida a dimensão impessoal.
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A dimensão impessoal estaria mais voltada ao planejamento docente sem amarras, ou seja, sem uma compreensão total da realidade do professor. Isso acaba dificultando muito a aplicação na prática, pois as variáveis não são levadas em conta a partir desse estado (de prescrição). Já na dimensão pessoal, ocorre o contrário: existe uma constante adaptação da prática docente, onde são tomadas todas as precauções para o melhor aproveitamento e desenvolvimento da aula; vai ao encontro de alguns conceitos de Paulo Freire, que, em sua vasta obra, coloca o papel do professor em seu devido lugar e tratando-o com o devido respeito.
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Sim. É necessário que o professor seja reconhecido como especialista em sua atividade e tenha voz para expor quais são as diferenças entre a idealização das prescrições e a prática real em sala de aula, assim atuando tanto na dimensão pessoal quanto na impessoal.
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A estruturação da profissão docente em dimensões nos proporciona um panorama muito interessante do ofício. Podemos perceber com clareza como cada etapa do ato de ensinar acaba se diferindo e se relacionando uma com as outras. A dimensão impessoal, embora nem sempre esteja, de fato, coerente com a realidade do professor, pode servir como um norte de para alguns objetivos em sala de aula. Quando há o contato com a dimensão pessoal, a prática real da atividade docente, aí está o gatilho para que se perceba as incongruências entre ambas as dimensões, e o professor pode enxergar quais mudanças são necessárias, seja nas prescrições ou na realização de seu trabalho.
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