Impactos negativos de uma coleção de indivíduos sobre a saúde docente e sobre o exercício da profissão
por Anselmo Lima
A inexistência ou o subdesenvolvimento de um coletivo de trabalho docente leva o professor: 1) a ter de responder sozinho e por sua própria conta às prescrições, havendo disfunção na dimensão impessoal e pessoal do exercício da profissão; 2) a buscar realizar o trabalho docente “ao pé da letra”, sem pessoalizá-lo, isto é, a buscar realizar o trabalho previsto nas e pelas prescrições sem adaptá-lo às condições reais de sua realização, o que acentua a disfunção na dimensão impessoal e pessoal; 3) a perder de vista e, portanto, a não levar em consideração destinatários relevantes de sua atividade de professor, como – por exemplo e principalmente – seus próprios colegas de trabalho e seus alunos, o que estende a disfunção para a dimensão interpessoal; e, finalmente, 4) a ter de reinventar o trabalho de ensino-aprendizagem individualmente, partindo do zero, a cada vez que for realizá-lo, o que leva a disfunção a afetar, finalmente, a dimensão transpessoal da profissão docente e de seu exercício.
Assim, na escola, a conhecida e já improdutiva filosofia do “si por si e Deus para todos” frequentemente se degenera e se transforma na filosofia ainda mais improdutiva do “si por si e Deus para nenhum”. Com isso, o saudável debate que teria seu foco no trabalho de ensino-aprendizagem e na melhoria coletiva de sua qualidade se transforma em picuinhas de pessoas, nas quais – deixando o trabalho docente de lado – elas se voltam umas contra as outras, o que acaba por bloquear, dentre outras coisas, o próprio desenvolvimento e o compartilhar da experiência dos mais antigos com os mais novos. Nessas condições, o trabalho se torna tóxico. Nessas mesmas condições, é possível verificar os impactos que a inexistência de um verdadeiro coletivo de trabalho causa sobre a vida e a saúde dos professores, bem como sobre a própria profissão docente.
Coleções de indivíduos têm de fato impactos negativos sobre a saúde docente e sobre o exercício da profissão. Programas de formação docente continuada que se preocupam genuinamente com isso, para muito além de palestras momentâneas e pontuais dadas por “figurões” durante semanas ditas “pedagógicas”, devem atuar com os professores de modo a gradativamente desenvolver coletivos de trabalho com eles, por meio deles e para eles. Em meu próximo post falarei sobre os benefícios do coletivo de trabalho.
Professor, você se sente com frequência sozinho, entregue a si mesmo na realização de seu trabalho cotidiano? Sente – lamentavelmente – que seus colegas de trabalho algumas vezes parecem estar mais “contra” você do que “com” você? Se sua resposta para essas perguntas é ou tende a ser “sim”, é muito provável que você esteja atuando em uma coleção de indivíduos, e não em um verdadeiro coletivo de trabalho. A boa notícia é que essa situação é reversível! Mas depende de uma correta compreensão e de uma adequada iniciativa de sua instituição.
Concordo, Anselmo, com suas considerações. Há muito tenho falado da solidão do professor no exercício profissional e na ausência de um trabalho em equipe, seja na educação básica ou superior. Certamente essa solidão do trabalho com a responsabilização apenas do professor pelos resultados e a competição egoísta, “egoica”, tem adoecido os docentes.
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Pois é, Sandra! Yves Clot disse com toda razão: “A instituição conta com os professores, mas não faz NADA por eles”. Ao que parece, essa tendência nefasta é mundial. Vale, por exemplo, tanto para o Brasil quanto para a França! Em seu comentário, pelo qual agradeço muito, você menciona questões sensíveis: 1) solidão do professor; 2) ausência de trabalho em equipe; 3) responsabilização apenas do professor pelos resultados; 4) competição egoísta e “egoica”; 5) adoecimento. Um dos maiores problemas é que existe toda uma indústria muito lucrativa (para alguns e poucos) que gira em torno dessa lógica. Lamentavelmente essa indústria tem se sustentado inclusive a partir de muitos trabalhos que se fazem nas próprias universidades! O princípio dessa lógica é trapacear com o real, negando a existência de um estado de coisas que só faz mal a todos nós em nossas escolas.
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Caro Anselmo! Não tem como tecer uma rede de conhecimentos sem a compreensão exata da dimensão da atividade docente. O diagnóstico apresentado no texto é consistente e aponta caminhos, construindo laços, substituindo os nós dados pela omissão, sectarismo e gestões equivocadas. Acredito que as dimensões até aqui apresentadas dialogam com as proposições do professor Antônio Nóvoa, “cujo conceito de trabalhador é precondição para o exercício da profissão de professor”, com direitos civis, com direitos políticos, com os saberes da formação acadêmica e sociais, além do comprometimento coletivo na construção do conhecimento.
Abraços,
Estênio.
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Prezado Estênio, é justamente essa a questão! Muitas instituições de ensino frequentemente acham que podem resolver os problemas que consideram ser unicamente de ordem “pedagógica” por meio de atividades isoladas e assistemáticas, supostamente de “formação continuada”. Entretanto, não conseguem perceber – e muitas vezes se negam a admitir – que esses problemas, para muito além de “pedagógicos” – dizem respeito ao trabalho do professor e a suas condições, com sérios efeitos deletérios sobre a própria saúde dos docentes. De acordo com essa lógica equivocada, os professores são com muita frequência os únicos a serem responsabilizados, por exemplo, pelo chamado “fracasso escolar”. Não trapacear com o real se faz mais do que nunca necessário. Obrigado por seu precioso comentário! Abraços para você também!
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Percebo que as Instituições pouco ou nada falam sobre as questões de saúde ao tratar com seus professores. Quando o trabalhador chega em seu limite e entra em crise dificilmente se admite a relação com seu ambiente de trabalho. Além disso, logo chega um substituto que vai enfrentar a mesma situação.
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Dalvane, sou professor há praticamente vinte anos e nunca vi qualquer uma das instituições em que atuei até o momento tratar do tema da saúde do professor e muito menos se preocupar realmente com os impactos que as condições de trabalho docente podem ter sobre a saúde do professor. Mas já vi acontecer como você diz: em perfeita consonância com o modelo taylorista, quando um professor adoece e se afasta do trabalho, logo é simplesmente substituído. Instituições de ensino que têm boa compreensão dessa problemática e compromisso com os professores oferecem e apoiam oportunidades de formação docente continuada que não virem as costas para essas questões, como se elas não existissem. Mas você conhece alguma instituição que faz isso?! Alguém conhece?! Obrigado pelo pertinente comentário!
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Olá, Professor Anselmo! Tomei a liberdade de utilizar este seu texto para trabalhar com colegas professores em reunião pedagógica, pois está se tornando improrrogável abordar a temática do coletivo de trabalho docente na comunidade escolar, bem como as relações de trabalho no contexto educacional.
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Caríssima Andreia, você nem imagina o quanto essa notícia me deixa feliz! Por favor, fique muito à vontade para recorrer aos posts como recurso de trabalho! De fato a questão do coletivo de trabalho é uma questão urgente nas escolas e de seu adequado tratamento depende uma série de encaminhamentos nas instituições, por exemplo: melhoria de condições de trabalho, desenvolvimento de práticas pedagógicas e preservação/manutenção da saúde dos professores. O próximo post tratará dos benefícios do coletivo de trabalho. Você poderia, por gentileza, compartilhar qual foi a reação dos professores ao texto que você utilizou? Um grande abraço!
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Como bem colocado, sem apoio o professor adoece, pois a carga das responsabilidades aumentam e assim se vê em um labirinto sem saída. Acredito que muitos problemas seriam resolvidos se houvesse um real apoio entre os membros da equipe. As ações precisam ser tomadas em conjunto para que então possa ser sentido os benefícios individual, mas para isso ocorrer todos precisam estar nadando a favor da corrente e não contra ela.
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Camila, penso que assim como deve haver o apoio da equipe de professores , pedagógica…. também deve ter apoio da família pois ela é um membro muito importante da equipe também.
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Concordo, Camila, o apoio entre os membros da equipe é essencial e muito importante para a saúde do professor.
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Quando um professor tem que cumprir a prescrição a risca , ele acaba por não se responsabilizar pelo que está fazendo , pios esta fazendo o que lhe mandaram fazer. dessa maneira a aula foge do pessoal e também do interpessoal pois o trabalho é impessoal.
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Exatamente Janaina, por isso é importante que nós como professores tenhamos filtro para saber que: seguir a prescrição a risca é inviável. Devemos ter a consciência de que nós somos os responsáveis pelas aulas que aplicamos, e também somos nós que estamos plantando a “sementinha” do conhecimento na vida de cada aluno, e é por isso que devemos nos responsabilizar, claro, sabendo que podemos contar com a ajuda de nossos colegas de trabalho.
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Estes quatro pilares resultantes da ausência de um trabalho coletivo certamente influencia no desânimo do professor, que pensa sozinho, planeja suas aulas sozinho e acaba muitas vezes se cobrando demais por conta de sua autocrítica. Concordo com a proposta de substituir os figurões da formação continuada por meios de desenvolver coletivos de trabalho com os docentes, por meio deles e para eles, como colocado no post.
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Além disso, a existência de um coletivo de trabalho entre os docentes pode ser mais um fator motivador. Quando criamos uma consciência de grupo nos sentimos mais pertencentes ao espaço e empenhados a resolver problemas e criar novas possibilidades pensando em todo coletivo e não somente em si.
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Acredito que os professores novos tendem a se sentir ainda mais solitários quando chegam as escolas, onde os professores mais antigos tendem a resistir a esse professores que por vezes aparecem com “inovações” para o ensino-aprendizagem.
O ideal é que existisse diálogo e troca de experiências entre os docentes, o que contribuiria para mudar o cenário em que muitos professores inciantes acabam desistindo e optando por outra profissão.
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Concordo contigo, Mayara. Porém, a rotina dos professores acaba dificultando essa troca de experiências entre os mesmos. Geralmente (falo isso por experiência própria), os professores só possuem tempo de trocar ideias e conversar nas rápidas trocas de salas nos corredores da escola.
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As pessoas não foram feitas para andarem sozinhas.
Se os relacionamentos profissionais puderem ser estabelecidos de forma a apoiar uns ao outros, há grande chance do sucesso coletivo e individual ser maior.
Pois se o grupo prospera, o indivíduo inserido nesse grupo também prosperará. Fazemos parte de um todo, e se tivermos essa visão nossos dias de trabalho serão aliviados.
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Ao ler esse post lembro-me exatamente de minha primeira experiência docente, ainda no início da graduação. Na época, minhas noções práticas sobre o trabalho docente eram praticamente inexistentes e os colegas de trabalho, ao invés de me auxiliarem a compreender as tarefas e suas implicações sociais, apenas viam motivo para críticas, mesmo sabendo que minha experiência docente era mínima.
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É muito triste ver uma coleção de indivíduos que não interagem uns com os outros, não se preocupam em ajudar o colega de trabalho que é iniciante ou em ajudar aquele colega que está passando por alguma dificuldade na realização do seu trabalho, ou até mesmo adoecendo, antes de sermos professores somos seres humanos e creio que deveria haver um pouco mais de empatia para nos tornarmos um coletivo de trabalho.
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Acredito que o ponto da empatia é central nesse processo de transformação. Muitas vezes, estamos tão alienados em nossas atividades que nos esquecemos que há outros seres hum,anos próximos de nós. Penso, ainda, que a equipe pedagógica é central nessa tarefa de criar condições empáticas.
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Também penso isso Bruno. E o pior, é pensar como seria bom se existisse um coletivo, e questionar-se do por que esse coletivo não existe em nosso ambiente de trabalho. Acredito que se isso fosse algo mais frequente, teríamos muito mais animo para trabalhar e para inovar nas atividades docentes.
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A saúdo do professor sempre foi muito debatida entre os mesmos, mas pouco observada de fora. Percebo isso com a vivência em uma escola municipal da qual faço parte. A clínica está aqui justamente para apontar essa deficiência, pois a saúde do professor deve ser vista de fora pra dentro e não apenas de seu núcleo. Para melhorar isso, acredito que deve-se começar pela construção de um coletivo de indivíduos (post anterior), pois assim, os problemas podem ser enfrentados de forma conjunta.
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Concordo, Angelo. Embora seja uma realidade tão presente no contexto educacional, não há muitas ações sendo tomadas para consertar essa situação. Alternativas como a clínica da atividade docente são uma fonte de esperança para os profissionais que necessitam de auxílio urgente.
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O post é preciso ao evidenciar o quanto o sentimento de solidão e impotência de um profissional em relação ao seu ofício pode ser nocivo, ainda mais no âmbito educacional. Assim, ações que buscam trazer um suporte devido e coerente ao professor, como a clínica de atividade docente, atuam tanto em um nível profissional, quanto humanitário, na medida em que pode salvar toda a vida de um indivíduo.
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Acredito que esse post, deixou muito claro os resultados que uma coleção de indivíduos gera no cotidiano de um professor, e como isso pode impactar na saúde e no bem estar do trabalho docente. Acredito que falta iniciativa do próprio corpo docente das escolas para incentivar o coletivo, isso melhorara todo o ambiente de trabalho e sobretudo a saúde dos profissionais docentes.
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