Formas relativamente estáveis de atividade docente: o que elas têm a ver com a saúde do professor?
por Anselmo Lima
Dizer que existem formas relativamente estáveis de atividade docente equivale a dizer que essa atividade possui um lado de repetição (que diz respeito à própria estabilidade da atividade) e – ao mesmo tempo e inseparavelmente – um lado de recriação (que – por sua vez – diz respeito ao caráter relativo dessa mesma estabilidade). Com efeito, estável é tudo aquilo que permanece igual a si mesmo de um momento para o outro, repetindo-se. Entretanto, como essa estabilidade é relativa, a repetição da atividade é repetição apenas até certo ponto!
Tudo o que um professor diz e/ou faz já foi dito e/ou feito antes, de uma forma ou de outra, por ele mesmo ou por outros professores. Nesse caso, tudo o que o professor faz é repetir o que outros professores, incluindo ele mesmo, já disseram e/ou fizeram. Mas um professor, como ser humano que é, está longe de se igualar a mera máquina de repetição ou reprodução, pois, ao repetir os ditos e/ou os feitos de outros, também ao mesmo tempo os recria. Assim, o professor, como todo ser humano, é um ser (re)criativo.
Nesse sentido, gestos profissionais docentes correspondem a soluções encontradas pelos professores para certos problemas de trabalho enfrentados sob determinadas condições e em determinadas circunstâncias. Em um primeiro momento, poder-se-ia pensar que os gestos profissionais docentes poderiam ser repetidos por outros professores na resolução dos “mesmos” problemas. Entretanto, alteram-se constantemente as condições e as circunstâncias em que se tenta resolver o “mesmo” problema por meio da repetição de um gesto outrora bem-sucedido e isso faz com que – de certa forma e até certo ponto – o gesto se torne obsoleto e, portanto, inadequado ou inadaptado para a resolução do problema atual. Assim, ao mesmo tempo em que se repete o gesto, é preciso recriá-lo, ajustando-o a novas condições e circunstâncias: a recriação de gestos profissionais docentes que se tentam repetir exige do sujeito trabalhador um constante engajamento na recriação de gestos já realizados.
Com o tempo, em função especialmente da inexistência de um verdadeiro coletivo de trabalho que possa apoiar o professor e no qual ele mesmo possa se apoiar, é comum que esse engajamento vá diminuindo ou se atrofiando, até o ponto de desaparecer completamente, ou quase! Nesse caso, o professor passa a repetir gestos praticamente ao idêntico, sem recriação. Disso resultam gestos disfuncionais e problemáticos porque são pouco ou nada adaptados a seus novos contextos. Esses gestos – além de comprometerem o desenvolvimento do coletivo profissional e de prejudicarem a qualidade do trabalho – acabam por gradualmente levar o professor ao adoecimento, pois uma das condições para a promoção da formação continuada e da saúde do professor é a possibilidade de repetir o trabalho com recriação.
Professor, você tem liberdade e autonomia para recriar seu trabalho a cada vez que vai realizá-lo? Sua instituição o apoia nisso? Ou você sente que sua criatividade é anulada por fatores institucionais que, ao invés de ajudar, acabam por atrapalhá-lo na recriação de seus gestos? Sente-se desengajado, sem energia, disposição ou ânimo para renovar sua prática? Saiba que é sua saúde que está em jogo, para muito além de sua formação continuada!
Ótimo texto, professor Anselmo! Lembro-me de uma aula sua, na qual o professor relatou que algumas turmas de alunos estão de certa forma “condicionadas” a reagir da mesma maneira de acordo com os atos do professor, como por exemplo: Quando o professor escreve um texto no quadro, os alunos se calam e começam a copiá-lo no mesmo instante. Muitas vezes nem prestam atenção no que está escrito, não reparam se o texto é importante, simplesmente copiam. Não que o ato de copiar não tenha o seu valor, mas podemos levar isso para a prática do professor. Nós professores em formação, tendemos a copiar o ato de “ser professor” de nossos mestres, ou repetimos o que vimos em nossa trajetória escolar. Muitas vezes não procuramos inovar nossa prática e caímos na rotina do dia-a-dia, não levando em conta que cada grupo de alunos possui características específicas e que talvez a forma como um assunto foi repassado para a turma do ano anterior não funcione para a construção de conhecimento da turma atual e posterior. Se o professor não renova a sua prática e não busca formas de recriar seus conteúdos, poderá, como está escrito no texto acima, desanimar-se e comprometer dessa forma sua própria saúde.
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Aline, há também casos em que o professor faz todos os esforços a seu alcance para renovar sua prática, mas é impedido pela precariedade de suas condições de trabalho. Dentro de suas possibilidades, é responsabilidade do professor essa renovação da prática. Para além das possibilidades do professor, é responsabilidade – por exemplo – dos gestores proporcionar aos professores condições que permitam essa renovação. Apenas precisamos tomar cuidado para não atribuirmos aos professores toda a responsabilidade, que – em alguns aspectos – deve ser partilhada. Ao mesmo tempo, Aline, é bem verdade que professores em formação ou sem muita experiência têm a tendência de repetir as mesmas práticas por longos períodos de tempo, sem conseguir recriá-las suficientemente. Nisso tudo é sem dúvidas também a saúde do professor que está em jogo, não só sua formação. Parabéns e obrigado pelo excelente comentário! Um abraço!
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Olá, Professor! Parece que há dois pontos de vista sobre o que seria o estilo, e que se complementam: 1) estilo corresponde às escolhas dentre as inúmeras possibilidades que existem dentro de um gênero; 2) estilo também são os retoques realizados pelo sujeito para atender as demandas do meio. É possível dizer que há esses dois pontos de vista e, mais, que eles ocorrem de maneira indissociável?
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Solange, a escolha de determinada ação didático-pedagógica dentre uma série de outras ações possíveis é sim um ato estilístico da parte do professor. E podemos entender a ideia de “retoque” como um ato de recriação de uma ação didático pedagógica inicialmente escolhida pelo professor. Unindo as duas coisas, podemos dizer que o estilo do professor se manifesta ao vivo no processo de escolha de determinada ação didático-pedagógica que, em seguida, é ajustada ou, se você preferir, “retocada” para melhor atender a uma necessidade de trabalho situada, por exemplo, no ambiente de sala de aula, no contato com os alunos. Um abraço para você! Continue acompanhando o Blog e participando deste diálogo por meio de seus comentários e/ou perguntas!
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Muito interessante a temática do texto, é por esse motivo que julgo importantíssimo a prática da reflexão. O professor todos os dias deve repensar suas aulas, levando em conta suas vitórias e derrotas do dia. Pensar que duas turmas com o mesmo conteúdo, são turmas diferentes, o público muda, o que pode dar certo em uma sala pode dar totalmente errado em outra. Dessa maneira a recriação nos processos repetidos são de extrema importância.
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Concordo, Camila! Nós, como professores, temos de estar preparados para o processo da recriação diariamente, pois trabalhar com pessoas é sempre algo imprevisível.
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O professor tem que recriar sua aula a cada turma que ele entra pois o conteúdo pode ser o mesmo porem cada turma é composta por diferentes indivíduos, que pensam e agem diferentes então o professor tem que recriar sua aula.
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Achei impressionante a reflexão sobre como a recriação mantém a atividade docente viva! O estilo e a motivação do professor que provêm da paixão são o que manterão viva a inspiração de sempre buscar novas maneiras de ensinar o mesmo conteúdo.
É preciso ficar atento para os sinais de que a empolgação e animação de repensar a prática já se foram, deixando em seu lugar a mecânica repetição sem vida que trará indubitavelmente o padecimento do profissional.
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Exatamente, Rebecca. Refletindo sobre o que você falou cheguei ao pensamento de que também é necessário pensar em uma formação que instigue os professores a serem reflexivos, que o levem a acreditar em seu potencial para trabalhar com responsabilidade e entusiasmo.
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Gostei muito deste texto e coloco que a nossa prática docente precisa ser repensada diariamente. A recriação faz parte do cotidiano do professor. Por mais que tenhamos anos e anos de experiência, sempre haverá alguma situação que nos causará impacto e que não saberemos lidar. Isso faz parte da nossa profissão. Somos seres imperfeitos e em constante mudança e evolução, cada dia tentando melhorar a nossa prática, nos engajando em determinados assuntos e lutando para defender o modelo de educação que acreditamos.
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Exatamente Barbara! a dificuldade sempre haverá, mas a sala de aula é dinâmica e coisas diferentes acontecerão a cada dia, e nem por isso vamos ficar parados sem fazer nada, muito pelo contrário, a dificuldade de certa forma será um combustível para nos tirar da zona de conforto e nos impulsionar para lutar por aquilo que acreditamos valer a pena.
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Gostei bastante do texto, professor! É extremamente necessário que recriemos diariamente nossas aulas e práticas para que elas estejam de acordo com o contexto do aluno. Também é de extrema importância que tenhamos consciência, como pontuou o professor Leffa em recente palestra aqui na instituição, que “não se trata de reinventar a roda todo o dia”. Podemos adaptar atividades dos livros didáticos, de sugestões da internet, ou ainda de propostas desenvolvidas por outros professores. O mais importante é que saibamos de onde vem essa “voz” que fala nas atividades e quais são as implicações por trás dela.
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Concordo totalmente, o constituir-se como professor baseia-se num processo de constante recriação da prática docente. Até porque a complexidade do trabalho do professor implica em vivenciar diferentes contextos. Isso exige do professor a capacidade de ser crítico, reflexivo, mas também de ter poder de autonomia.
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É exatamente isso, Mayara. A autonomia do professor é bastante criticada nos dias atuais. Isso pode impedir o professor de exercer sua criatividade para o desenvolvimento de novas atividades e também mexer com a própria saúde do docente.
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A recriação é muito importante na pratica docente, pois a recriação é o local onde se situa o estilo do professor, ou seja,tem a ver com o modo próprio de cada professor recriar essa repetição. Porém quando o professor está se desmotivando ele vai deixando de recriar e apenas repete.
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Sim, Janaina! Precisamos nos motivar constantemente e para isso a implantação da Clínica da atividade se faz imperativo nas escolas públicas.
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Ótimo texto, lembro bem do momento em que estávamos comentado a respeito da eterna recriação e adaptação da prática docente. De fato, nós como professores sempre teremos de adaptar nossas aulas, principalmente quando se trata de educação infantil. Porém, acredito que com a constante (re)adaptação das aulas, elas acabam se tornando exaustivas, privando o professor de exercer sua criatividade por conta do cansaço.
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Sim, Angelo. É necessário que o professor esteja em um bom estado mental para que ele possa manter a excelência de seu ofício, do contrário, é improvável que as aulas e os métodos utilizados pelo docente não se tornem defasadas em relação a novos contextos de ensino.
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É necessário que o professor esteja em constante desenvolvimento e atualização em relação aos seus métodos utilizados para desempenhar de maneira eficaz seu ofício. Além disso, se tratando de uma atividade em que estão envolvidos diversos indivíduos, vindos de uma miríade de realidades, a prática docente envolve engajamento frequente do professor em relação ao meio em que ele opera, pois se isso não ocorrer, sua didática pode ficar obsoleta e inviável.
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Exatamente!
Precisamos estar em constante desenvolvimento, para podermos dar um ensino de qualidade, mas também atrativo e atual.
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Nós enquanto professores, precisamos nos ver como seres, que estamos em constantes mudanças e desenvolvimento. Na sala de aula, precisamos ser (re)criativos, pois com o passar dos dias, nossos alunos vão se iterando em novas realidades, novos contextos sociais e as tecnologias vão trazendo mudanças, que ao nos adaptarmos a elas, podem ser muito benéficas, mas para isso, precisamos estar abertos a mudar, e nos adaptar, muitas vezes (re)criando nossos métodos de ensino, que já estávamos acostumados e nos abrir para novos caminhos.
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