Clínica da Atividade Docente
por Anselmo Lima
A docência tem sido maltratada há muito tempo e os impactos negativos dos maus tratos recaem quase totalmente sobre os trabalhadores que exercem a profissão. Salas superlotadas, mal iluminadas, com temperaturas fora do controle, além de uma série de dificuldades decorrentes, por exemplo, da indisciplina dos alunos, atentam todos os dias contra o trabalho e a saúde dos professores. Esse quadro se agrava ao se considerar que muitos educadores dobram e às vezes triplicam sua carga semanal de aulas num esforço de obter uma remuneração um pouco mais digna ao final do mês. Não surpreende que, nessas condições, seja alarmante o número de professores que adoecem, faltam ou se afastam do trabalho a cada semana. Também não surpreende que, nas mesmas condições, a qualidade da educação em nosso país seja uma das piores do mundo!
O caminho para reverter esse quadro não é tratar a saúde dos professores depois que eles adoecem, nem lhes oferecer mais “treinamentos”, os quais, em sua forma tradicional, deliberadamente fecham os olhos e viram as costas para a realidade concreta da sala de aula. O caminho é cuidar da profissão docente em parceria com os professores e enfrentar junto com eles os obstáculos e dificuldades reais da sala de aula. Se os docentes estão ou ficam doentes, isso se deve com muita frequência ao fato de que, como resultado dos maus tratos sofridos, sua profissão está e fica doente antes deles! Isso se deve também, muitas vezes, à precariedade e insalubridade da própria sala de aula. Para que os professores se desenvolvam como profissionais e para que não adoeçam no exercício da profissão, uma proposta prática é que a formação continuada e a saúde do professor sejam promovidas nas escolas por meio de uma Clínica da Atividade Docente.
Seguindo uma sólida perspectiva inaugurada e desenvolvida ao longo de mais de vinte anos pelo Psicólogo do Trabalho Yves Clot, “clínica” não corresponde aqui de forma alguma à ideia de um “lugar aonde vão os doentes consultar um médico, receber tratamento ou submeter-se a exames”, tal como apresentada pelo dicionário Aurélio. Trata-se, ao invés disso, de fazer das escolas e das salas de aula o lugar preciso em que os próprios professores buscam, em parceria com os formadores e demais gestores educacionais, desenvolver práticas de ensino-aprendizagem ao mesmo tempo em que identificam e trabalham para superar a precariedade, que – com muita frequência – se traduz em diversos obstáculos e dificuldades insuperáveis se os professores não forem incentivados e apoiados pela gestão.
O desenvolvimento profissional assim garantido funciona como um fundamental operador de saúde no próprio trabalho para os docentes. Essa perspectiva clínica, como ação prática de promoção simultânea tanto da formação continuada quanto da saúde do professor nas escolas, tem a grande vantagem de não esperar que o professor adoeça para depois talvez cuidar de sua saúde sem nada alterar em suas condições de trabalho. A proposta aqui é cuidar da profissão docente junto com os professores para que eles – ao exercê-la – se desenvolvam e se realizem como profissionais. A promoção da saúde no trabalho é o resultado dessa realização.
Professor, o que acha dessa proposta? Você estaria disposto a trabalhar nisso com os gestores educacionais? Gestor educacional, o que acha dessa proposta? Você estaria disposto a trabalhar nisso com os professores? É preciso coragem. Em meus próximos posts, apresentarei informações práticas sobre a implementação da Clínica da Atividade Docente nas escolas.
É uma ótima ideia a Clínica da Atividade Docente. Fico pensando que estratégias devemos ter com os gestores educacionais, pois esses, muitas vezes, depreciam o professor e se unem a um público que costuma atribuir ao professor o fracasso no ensino. Como atingir tais gestores?
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Denize, muitos dos gestores aos quais você se refere fazem o que fazem pelo fato de desconhecerem por completo a complexidade da profissão docente. Minha experiência indica que, quando lhes apresentamos com clareza e firmeza a maneira correta de conceber o professor e seu trabalho, essa atitude muda. Sua observação coloca em questão, com toda razão, a própria qualificação dos gestores para ocuparem os cargos que ocupam e para exercerem as funções que exercem. Se o problema se deve mesmo ao desconhecimento, precisamos tentar ajudá-los a nos ajudar. Este é um dos propósitos deste Blog. Se o problema se deve a qualquer outra coisa que não o desconhecimento, temos todas as razões para desconfiarmos deles e nos perguntarmos seriamente: a quem buscam servir quando deliberadamente deixam de servir aos professores? No momento em que eu for discutir um exemplo prático de implementação da Clínica da Atividade Docente em uma instituição pública de ensino, compartilharei minha experiência profissional nessa área. Muito obrigado pelo comentário! Seu apoio e participação têm sido fundamentais. Um abraço!
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Olá, Anselmo. Parabéns pelo post. Tenho uma questão: será possível melhorar o trabalho dos professores dentro de um modelo educacional falido? Afinal, por que as aulas têm 50 min? Por que todos os alunos têm que aprender um conteúdo ao mesmo tempo? Por que todos os alunos têm que decorar o teorema de pitágoras sem compreender sua aplicação? Por que todos são avaliados com provas, sendo que é muito conhecido que prova não prova nada? E tantos outros apontamentos feitos por grandes nomes, Lauro de Oliveira Lima, Rubem Alves, Paulo Freire, etc. Melhorar o trabalho do professor, dentro de um contexto extremamente doente é possível? Muito obrigado por compartilhar sua experiência. Seus textos são muito inspiradores.
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Prezado Osni, no atual paradigma educacional, os professores são vistos como não especialistas naquilo que fazem. Desenvolve-se então toda uma indústria dos especialistas externos na atividade docente, os quais se apresentam como aqueles que sabem tudo e mais um pouco sobre um trabalho que muitas vezes não fazem, passando a vender e a cobrar caro por seus serviços. Sendo os professores, nesse caso, ideologicamente construídos como incompetentes, a gestão tem um argumento para não se empenhar na eliminação da precariedade das escolas e passa a sustentar essa indústria como tentativa de solucionar o problema, mas sem realmente conseguir. Para mim, essa é a falência de um modelo educacional. Uma superação desse paradigma pode não ser nada fácil, mas não é impossível. O caminho é dar aos professores o que é deles por direito: legitimação e respeito como os verdadeiros especialistas naquilo que fazem. Se isso for feito, eles terão condições de discutir, por exemplo, as importantes questões que você levanta, de tirar suas próprias conclusões e de tomar coletivamente as providências necessárias para uma mudança. É preciso não trapacear com a realidade. O que está em jogo, no fim das contas, é também a própria saúde de nossos educadores. Uma Clínica da Atividade Docente pode auxiliar nesse processo. Obrigado pelo comentário! Continue acompanhando o Blog. Um abraço!
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Bom dia, professor. Achei interessante a sua ideia sobre a criação de uma Clínica da Atividade Docente. Afinal, para uma educação de qualidade é preciso que todos os setores (não somente dentro do ambiente escolar, mas também entre escola e Estado) trabalhem juntos a fim de melhorar a educação. Dessa forma, haverá a diminuição das precariedades encontradas na educação, que comprometem tanto a aprendizagem por parte dos alunos quanto a saúde dos professores, que sofrem por não encontrarem condições favoráveis para o desenvolvimento do seu trabalho. A partir do momento em que o trabalho coletivo acontecer, a prática de ensino-aprendizagem alcançará melhores resultados e a saúde dos professores não estará comprometida, tendo em vista que eles possuirão as condições adequadas para desenvolver o seu trabalho.
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Ediane, muito obrigado pelo comentário! Fico feliz em perceber que você compreende e apoia a proposta! Um grande abraço!
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Concordo contigo Ediane, não devemos apenas tratar da saúde do docente , mas sim de todo o corpo que compõe a educação.
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Ótimo texto, Professor Anselmo!
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Fico feliz que tenha gostado, Teresa!
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A criação da clinica da atividade docente é uma ótima e interessante ideia. Seria maravilhoso se todas as escolas pudessem ter uma clinica de atividade docente,quem sabe com a clinica dentro da escola, os professores adoeceriam menos pois teriam mas apoio para resolverem juntos os problema encontrados não somente em sala mas em toda a educação.
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Com certeza, Janaina. A clínica reforça todas essas questões essenciais para a saúde mental e física do professor.
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Achei muito esclarecedor esse post, professor. Com certeza a realização da clínica da atividade docente é necessária. O preparo que estamos tendo ao longo de nossas aulas vem sendo muito importante, principalmente para nós que estamos no início de nossas carreiras.
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Eu também acho que esse preparo está sendo de suma importância para nós acadêmicos de letras, acredito que outros cursos (de licenciatura) deveriam ter a oportunidade de conhecer essa disciplina, para que dessa maneira mais pessoas possam aprender e saber que há formas de evitar um possível adoecimento, afinal, ninguém está livre.
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Professor, eu tenho certeza que a clínica da atividade docente só vem para agregar coisas boas em nossa prática enquanto docente. Como apontado no texto acima, o professor já vem sofrendo a tanto tempo e por tantos motivos, já chegou a hora de sermos escutados também, precisamos de voz e precisamos fazer-nos entender, isso porque, as pessoas esquecem o professor também é um ser humano que está TRABALHANDO. Isso leva a falta de compreensão por parte de alguns sujeito, achando que docente deve suprir todas os problemas educacionais, quando na verdade as coisas não funcionam dessa maneira.
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É mesmo necessário que os professores sejam compreendidos e escutados. A sociedade em geral precisa parar de apontar culpados para os eventuais problemas da educação, para entender que todos estão interligados e são essenciais para o sucesso do processo.
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É preciso compreender o trabalho do professor para poder contribuir de forma positiva com ele. Dessa forma a Clínica da Atividade pode ajudar a superar as tradicionais formações continuadas que conforme discutido nos posts anteriores muito pouco agrega para a prática dos professores. Com a Clínica o professor reflete sobre sua atividade e ele mesmo pode agir sobre ela, transformando, reinventando, recriando.
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Trata-se de dar ao professor o posto de especialista na tarefa que ele mesmo realiza, Mayara. Fazer com que as formações pedagógicas ataquem de frente o problema e não apenas ficar no “blá blá blá”, como ocorre na maioria das vezes.
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Com toda a certeza a implantação da clínica da atividade docente é fundamental para que os professores, tanto os de início quanto os de fim de carreira, não venham a desenvolver tantos problemas de saúde decorrentes de seu trabalho.
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Sim, Dener. A preocupação da clínica com a saúde, física e mental, do professor é um diferencial que com certeza traz à tona reflexões e mudanças relevantes para os docentes.
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Vejo as propostas da Clínica da atividade docente como uma maneira de estimular um senso de cuidado coletivo entre os professores. Como sabemos que não há o amparo e suporte necessário de entidades e instituições alheias à realidade do ensino, se os professores desenvolverem um hábito de auxílio a si mesmo e aos outros profissionais ao seu redor, é provável que a classe docente se fortaleça e passe a ter maior voz, em conjunto.
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Belas palavras, Emanuel. Compartilho da mesma perspectiva que você.
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Eu também vejo dessa maneira Emanuel. Devemos ter esse cuidado e a clinica nos mostra o quão importante é isso.
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A Clínica surge como uma aliada insubstituível. Vejo essa iniciativa como uma forma de resposabilidade social para com o sujeito. Há um cuidado coletivo. Conforme conversamos algumas vezes, gostaria de ter tido contato com a Clínica logo no início da formação docente. Isso traria uma luz aos acadêmicos já inseridos nas escolas e mr possibilitaria ver as limitações profissionais com certa maturidade e com outros olhos.
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É o que eu penso, Jessica. Conseguimos olhar para a atividade docente com outros olhos, de uma forma mais ativa, consciente e responsável.
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Vejo esse projeto da clínica como uma alternativa para os professores e gestores encontrarem novas formas de formar um coletivo que seja consciente de suas perspectivas de trabalho e que ambos consigam um desenvolvimento na área escolar.
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Exatamente, acredito que a busca pelo desenvolvimento, de uma forma que traga saúde aos profissionais dessa área é primordial para que a clínica aconteça.
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É uma excelente ideia a Clínica da Atividade Docente, através dela o professor reflete sobre sua atividade e pode agir sobre ela, reinventando e transformando.
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Acredito que esse tratar depois de você já estar doente, faz parte da cultura da nossa população, são poucos os que se cuidam antes. Mas tenho a certeza, principalmente depois de frequentar as aulas, de que com a saúde do professor, tudo (ou grande parte) pode ser resolvido antes que o adoecimento chegue. Você estar preparado para o que vai enfrentar e ter pessoas que te auxiliem nesse processo é primordial.
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Ler este primeiro paragrafo e refletir sobre todas essas realidades que vivem os professores em seus ambiente de trabalho, geram medo e angustia sobre o nosso futuro trabalho. O papel da clinica esta sendo de grande importância para mim, pois eu estou me preparando para meu futuro, penso que todos os cursos de licenciatura, deveria ter esta matéria na grade, pois devemos compreender essas realidades e saber como devemos enfrenta-las.
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