Partir da demanda dos professores e não trapacear com a realidade da educação
por Anselmo Lima
A implementação de uma Clínica da Atividade Docente nas escolas como forma de nelas promover a formação continuada e a saúde dos professores deve partir da demanda dos próprios professores e não trapacear com a realidade da educação. A questão aqui não é somente a demanda de aumento salarial, que existe, é legítima e inquestionável: os professores devem ser muito melhor remunerados do que são hoje e é obrigação dos gestores, em articulação com o governo federal, estadual e municipal, buscar os meios de corresponder plenamente a esse anseio.
A questão aqui é também uma demanda de pelo menos três ordens: 1) os professores querem e precisam ser reconhecidos e respeitados como especialistas na atividade que desenvolvem; 2) os professores querem e precisam ter melhores condições de trabalho, especialmente em sala de aula; e 3) os professores querem e precisam de um programa de formação continuada que os respeite como especialistas naquilo que fazem e que se preocupe com sua saúde, não fechando os olhos e não virando as costas para a precariedade de suas condições de trabalho.
Quando certos resultados educacionais esperados pelo governo e pela sociedade não são alcançados (o que acontece com muita frequência!), é muito comum que os docentes sejam responsabilizados e considerados incompetentes: “não sabem fazer isso”, “não sabem fazer aquilo”, “não estão preparados para isso”, “não estão preparados para aquilo”, etc. Raramente se considera que, com poucas exceções, são as condições precárias das escolas que levam os professores a não conseguirem realizar a contento o trabalho que lhes é confiado.
O fato é que a eliminação da precariedade das escolas exige altos investimentos da parte do governo. O fato é também que sai muito mais barato alegar que os professores são despreparados e que aquilo que lhes falta é “na verdade” mais “treinamentos”, ou mais “oficinas”, ou mais “cursos”, ou mais “palestras”, ou mais “workshops”, ou – em suma – mais “competência”. Não surpreende que em torno desses fatos tenha surgido e se organizado a indústria dos especialistas externos na atividade docente, que pouco ou nada conhecem da realidade cotidiana das escolas ou que, ao contrário, a conhecem muito bem, mas jogam o jogo de acordo com as regras estabelecidas.
Partir da demanda real dos professores e não trapacear com a realidade da educação é o primeiro passo para a implementação de uma Clínica da Atividade Docente nas escolas. Nunca é demais repetir: 1) os professores querem e precisam ser reconhecidos e respeitados como especialistas na atividade que desenvolvem; 2) os professores querem e precisam ter melhores condições de trabalho, especialmente em sala de aula; e 3) os professores querem e precisam de um programa de formação continuada que os respeite como especialistas naquilo que fazem e que se preocupe com sua saúde, não fechando os olhos e não virando as costas para a precariedade de suas condições de trabalho. Essa é a demanda. Não se deve trapacear com a realidade.
Excelente texto.
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Prezado Haroldo, muito obrigado! É um prazer enorme tê-lo como leitor. Cordial abraço!
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As precárias condições de trabalho aliadas ao momento histórico de crise política e moral do país estão tornando o agir educacional uma atividade profissional cada vez mais desgastante.
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Prezada Elvira, obrigado pelo comentário! Trata-se do que poderíamos chamar de precariedades “internas” e “externas” ao trabalho docente. As “internas” estão dentro das escolas e precisam ser solucionadas com a participação de instâncias políticas “externas”, que – no momento – se encontram elas mesmas, como você indica, mais do que nunca precarizadas. Dois aspectos do problema exigem reflexão: 1) entre o “interno” e o “externo” há um continuum, sem fronteiras bem definidas de um extremo ao outro, e não mera oposição e independência; 2) mesmo em épocas de suposta ausência de crise política e moral do país, a precariedade “interna” parece alimentar e ser alimentada pela “externa”. Círculo vicioso que se alimenta, por sua vez, da trapaça com a realidade, a qual tem também o nome de… “corrupção”. O que acha? Um abraço!
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Excelente texto! Sempre me pergunto: por que existem tantos especialistas que interferem na profissão do professor? Não acreditam que os professores são especialistas para exercer sua profissão. Vejo que os professores estão sendo sobrecarregados de responsabilidades que não competem a eles e como isso os deixa doentes física e mentalmente.
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Prezada Angela, existe uma indústria dos especialistas externos na atividade do professor. Seu objetivo é construir os docentes como incompetentes naquilo que fazem com o objetivo de vender seus serviços de “especialistas”. Trata-se de uma ação político-ideológica e comercial na exploração de um nicho de mercado. O pior é que, de tanto ouvir falar, há professores que acreditam mesmo que são “incompetentes” e se rendem a essa indústria, tornando-se seus “consumidores”. A sobrecarga de responsabilidades nas escolas tem uma relação com esse problema: se o trabalho educacional não sai a contento, quase nunca se admite que isso se deveria à precariedade das condições de trabalho. O mais comum é alegar que isso se deve à “incompetência” dos professores. A partir daí, ao invés de haver investimentos na eliminação da precariedade nas escolas, o investimento é feito em mais “treinamentos” para os professores, os quais são ofertados pela mesma indústria dos especialistas externos. E como a precariedade nunca é removida, os professores se sobrecarregam para tentar compensá-la. Nesse contexto, só resta aos professores ficarem mesmo doentes! Entendeu o ciclo vicioso? É preciso romper com ele. Uma Clínica da Atividade Docente pode ajudar. Obrigado pelo comentário!
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Olá, Professor! Excelente texto! Essa é realmente a realidade de “todas” as escolas. O professor sempre leva a culpa pelos fracassos escolares. E isso só faz o professor adoecer e qualificar sua prática como “fraca” e “deficiente”.
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Gostei muito desse texto, professor. Principalmente porque é muito comum presenciar diversas situações em que o professor carrega a culpa de tudo o que acontece no ambiente escolar. Já escutei e continuo a escutar tantas vezes de quem não faz ideia de como é a realidade em sala de aula ou de outros que até tiveram contato mas seguem criticando os professores como se esses fossem seres supremos que conseguem resolver todos os problemas sozinhos… “Ah, se o aluno não escreve bem é culpa do professor”, “ah, se o aluno não é leitor é porque o professor não incentivou” e outros exemplos. Claro que o incentivo e esforço do professor é essencial, mas não é só o trabalho desse que determina o desempenho dos alunos. Quem não enxerga além do próprio umbigo não irá compreender que há inúmeros fatores dentro do ambiente escolar e também nos contextos de cada aluno que são determinantes para o processo de construção de conhecimento. Quem não enxerga além do próprio umbigo também não irá entender o quão importante e humanizadora é nossa profissão, essa que merece ser valorizada, pois é formadora de todas as outras.
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O pior de tudo isso Barbara é saber que existe muitas pessoas que pensam dessa maneira, pessoas inclusive que muitas vezes estão trabalhando junto com nós. Muitas vezes os professores de outras disciplinas culpam o docente que dá aula de Português insinuando que somos incompetentes em nossas atividades: “Ah, porque sua caligrafia não está boa, precisa falar com o professor de português para dar um jeito nisso”, “Você não está sabendo interpretar as questões, deve pedir auxílio para o professor de português para que então melhore seu rendimento em interpretar”, “você precisa exigir do professor de português mais leitura, pois está precisando”… As pessoas ficam tentando achar culpados para a falta de desenvolvimento dos alunos, quando na verdade o objetivo é único, ajudar na evolução do discente.
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Professor, achei bem interessante o post e estou gostando bastante de refletir sobre essas questões que envolvem a atividade docente. Acho muito importante, quando o senhor menciona no texto que “os professores querem e precisam ser reconhecidos e respeitados como especialistas na atividade que desenvolvem”, pois o que eu percebi quando trabalhei em uma escola, é exatamente isso, os docentes não são vistos como tal.
Uma coisa que me dói muito e que eu vivenciei é a desvalorização dos professores iniciantes, em especial os estagiários. É certo que esses professores ainda não sou formados, no entanto essa não é uma justificativa para que outros docentes queiram se intrometer no trabalho. Esses mesmos estagiários também desejam ser reconhecidos e respeitados como especialistas, afinal, estão em processo de desenvolvimento, e é justamente no começo que eles precisam de apoio, no entanto, é no começo em que eles são mais rejeitados, pois a maioria dos professores pensam que estes estão na escola só para “quebrar um galho”, afinal, “são só estagiários”.
Penso que o respeito e o reconhecimento devem existir em qualquer nível do processo de adquirir conhecimento, seja ele na graduação, no mestrado, doutorado ou até no pós-doutorado, todos desejam isso.
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Essa é uma triste realidade, Camila. Não é bom que os professores iniciantes sejam desvalorizados de tal forma, se a carreira docente não é atraente, e o ensino, cada vez menos valorizado, cada vez mais estigmatizado, não irá estimular os jovens a abraçarem essa profissão.
A depreciação dos professores é um fator grave que pode levar ao esgotamento, por isso é preciso reconhecer o professor como especialista da sua atividade, que com o apoio correto pode agir sobre a sua realidade de sala de aula a fim de superar os desafios encontrados. É entender que a desvalorização da profissão docente não afeta apenas o professor como profissional em sua individualidade, afeta todo o futuro de uma nação.
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Também me preocupo em relação a essa questão, Camila! Se nossa carreira já é desvalorizada e atrai cada vez mais jovens, a desvalorização que o estagiário enfrenta só contribuirá para afastar futuros professores da carreira.
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É comum escutarmos muito os professores reclamarem da desvalorização da profissão. A desvalorização de que os professores reclamam, com razão, não se manifesta apenas na baixa remuneração, mas em todas as situações de precariedades apontadas no post. É preciso reconhecer que nenhuma outra profissão tem sobre si a responsabilidade de educar, como compete ao professor, que, além de ensinar, se dedica à nobre missão de formar cidadãos.
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Exatamente, Mayara. A luta dos professores não é somente pela valorização de salário, envolve todas as situações apontadas no post.
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Gostei bastante desse texto, professor! Muitas vezes somos culpabilizados por todos os problemas existentes na educação brasileira. No entanto, há muitos problemas que não estão ao nosso alcance, mesmo que lutemos conjuntamente para tentarmos resolvê-los. Além disso, é necessário que sejamos realmente valorizados (e não apenas no dia dos professores como costumeiramente acontece)
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Com certeza. A prática real da atividade docente, como temos percebido, exige que haja uma coerência e aprofundamento maior em relação ao contexto de educação por parte daqueles que são responsáveis pelas cobranças feitas aos professores.
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A carga e as expectativas colocadas sobre o professor são incoerentes, seja pelo alcance limitado que temos em relação à resolução de problemas oriundos de outras áreas, seja pela desvalorização do setor educacional por parte do governo e, por vezes, dos próprios profissionais. Sendo assim, é necessário que haja honestidade e coerência ao se desenvolver críticas e propostas para a educação, para evitar ao máximo essas incongruências que acabam por pressionar o professor e atrapalhar seu rendimento em um âmbito geral.
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Exatamente, Emanuel. A sua reflexão nos possibilita ver o quanto as limitações de nossa área são, muitas vezes, ocasionadas por outros eixos que transcendem a responsabilidade do docente. A utopia consiste na empatia e justiça profissional.
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Do indivíduo não atuante socialmente e imparcial aos aspectos profundos da educação, é natural ouvirmos que a culpa das limitações educacionais brasileiras é unicamente do professor. Isso se dá pela cultura imposta em nosso país. Para darmos os primeiros passos necessários para uma mudança gradativa, precisamos nos posicionar enquanto profissionais especialistas da área, analisar o que nos impossibilita de agir de tal modo em sala e assim compreender se a responsabilidade das limitações realmente nós compete.
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Excelente texto! Acredito que as pessoas que olham a escola de seu exterior julgam muito a atividade docente do professor, porém, não conhecem realmente suas condições de trabalho e adversidades/imprevistos que ocorrem durante o andamento de uma aula. Por este motivo, é muito recorrente as reclamações de quem não está constantemente acompanhando as atividades desenvolvidas pelos professores. Infelizmente, com as críticas e a cobrança dentro da área, o professor começa a adoecer.
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Infelizmente essa é uma triste realidade, pois grande parte das pessoas que tem uma visão externa da docência acha que os professores tem as melhores condições de trabalho.
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Ótimo texto professor, o professor realmente precisar se mais valorizado e respeitado conforme o senhor fala logo no incio de seu texto. muitas vezes nos professores nos decepcionamos com a nossa profissão justamente pela falta de valorização.
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Isso mesmo, Janaina. Muitos acabam por desistir da profissão pela falta de reconhecimento social e, principalmente financeiro.
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É verdade Janaina, vejo tantas profissões que são inferiorizadas sendo que são de extrema importância, eu nao entendo como isso pode acontecer.
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Exatamente isso, os problemas que hoje estão acontecendo na educação, estão muito além da chamada incapacidade do professor em dar aula. Esses problemas tem origem na falta de investimento e reconhecimento que a educação é a base de tudo e, isso reflete no que os professores passam em sala de aula e, fora dela também, com críticas a todo momento, de pessoas que são externas ao que eles passam em sala de aula.
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Achei esse post excelente, nos faz pensar que nosso trabalho é a docencia, e devemos ser respeitados e reconhecidos por profissionais, pois estudamos para isso. E se as condições são ruins, se os gestores não possibilitam um bom ambiente de trabalho com bons incentivos incluindo o salarial, não é culpa do profissional docente, é a mesma coisa que querer que um pedreiro construa uma casa sem cimento e sem orientação, é impossível, por isso deveríamos ter mais apoio da população e sermos reconhecidos como profissionais que somos, para melhorar o ensino para nossos alunos e assim melhorar nossa sociedade.
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