Autoconfrontação Simples e Cruzada: um método clínico para o tratamento da atividade docente
por Anselmo Lima
A palavra “autoconfrontação” pode a princípio talvez assustar. Pode à primeira vista talvez causar estranhamentos e até mesmo suscitar questionamentos. Isso porque contém a ideia de “confronto” ou “briga”, podendo por vezes evocar inclusive procedimentos policiais de “acareação”, que consistem em pôr testemunhas cara a cara, umas em presença das outras, com a finalidade de se esclarecer algum crime ou delito. Obviamente, quando o assunto é o emprego do método da Autoconfrontação Simples e Cruzada como estratégia clínica de enfrentamento coletivo do trabalho concreto de sala de aula, as coisas não são assim! O prefixo “auto” significa muito: se “confronto” ou “briga” há, trata-se certamente de um “confronto” ou “briga” do sujeito consigo mesmo em busca de um desenvolvimento profissional. E aqui não há “crimes” ou “delitos” a serem investigados!
O método foi desenvolvido na França, pelo linguista Daniel Faïta, e mais tarde empregado de forma ampla pelo psicólogo do trabalho Yves Clot em sua equipe de Clínica da Atividade no Conservatório Nacional de Artes e Ofícios (CNAM) de Paris. Trata-se de procedimentos teórico-metodológicos que se apoiam no uso específico da imagem de sujeitos em atividade de trabalho, com o objetivo de lhes proporcionar oportunidades de desenvolvimento profissional, de promoção da saúde individual e coletiva e de produção de conhecimentos inéditos sobre o exercício da profissão.
Para que seja possível um emprego inicial desse método na promoção da formação continuada e da saúde do professor nas escolas, é necessário que se voluntariem para a filmagem de aulas ao menos dois docentes que fazem parte de um coletivo de trabalho. Posteriormente, os professores da dupla escolhem e indicam trechos audiovisuais das aulas filmadas com o objetivo de participar de diálogos e reflexões que ocorrem em três momentos.
No primeiro, duas sessões de Autoconfrontação Simples são realizadas: cada um dos dois professores, individualmente, tem a oportunidade de se observar no trecho do vídeo em que aparece realizando gestos profissionais e de se pronunciar a respeito deles na presença, por exemplo, de um ou dois Coordenadores Pedagógicos. Isso se dá em três etapas sucessivas: 1) o professor observa o trecho de suas aulas; 2) o professor é convidado a descrever e a explicar o trecho observado; e 3) os Coordenadores Pedagógicos levam adiante o diálogo com o professor a partir do que ele diz.
No segundo momento, duas sessões de Autoconfrontação Cruzada são realizadas. Cada uma delas consiste em quatro etapas: 1) o professor, na presença dos Coordenadores Pedagógicos e de seu colega de dupla, observa o trecho de aula em que este realiza gestos profissionais; 2) o professor é convidado a descrever e a explicar o trecho de aula de seu colega; 3) os dois professores dialogam, argumentam e refletem como resultado de uma diferença de pontos de vista que pode se evidenciar; e 4) os Coordenadores Pedagógicos auxiliam no desenvolvimento desse processo de diálogo, argumentação e reflexão.
Finalmente, no terceiro momento, dois videodocumentários (contendo os trechos das aulas em que os gestos em questão são realizados e trechos das sessões de Autoconfrontação Simples e Cruzada) são editados, validados pela dupla de docentes e compartilhados com todo o coletivo de professores constituído para essa finalidade.
É importante ressaltar que o papel dos Coordenadores Pedagógicos nesse diálogo deve ser muito diferente do que tem sido tradicionalmente em outros contextos: não podem e não devem se colocar na posição de especialistas externos na atividade dos professores ao dialogar com eles. Devem, ao invés disso, falar com os professores legitimando-os e respeitando-os como os verdadeiros especialistas naquilo que fazem. Fica claro que para a implementação de uma Clínica da Atividade Docente nas escolas, os Coordenadores Pedagógicos precisam receber uma formação específica, que permita superar a maneira tradicional de pensar, discutir e tratar a prática docente nas instituições de ensino.
Qualquer professor que esteja preocupado com a educação nacional e com sua forma de ensinar, certamente irão ceder a essa forma de “autoconfrontação”, afinal, é a partir de uma incomodação que as coisas vão se transformando. Se eu vejo que há algo de errado em minhas práticas, com certeza não ficarei parada esperando que algo aconteça, muito pelo contrário, eu preciso ver onde estou errando, e esse confronto de “eu, comigo mesmo” me ajuda a ir além, me impulsiona para vencer as pequenas dificuldades. Além disso, ter a ajuda e apoio da equipe pedagógica torna muito mais fácil o processo, pois aí eu sei que possuo sujeitos que podem me auxiliar nas dificuldades enfrentadas em sala.
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Concordo, Camila, essa reflexão é muito necessária e não estar sozinho nesse processo com certeza é um ponto muito importante.
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Também acredito que a reflexão é um fator essencial para que o professor mantenha a qualidade de suas práticas e, também, a qualidade de sua saúde física e mental diante do trabalho.
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Esse método é realmente interessante, professor! Percebo várias vantagens e isso me rememora as considerações de Lacan sobre o espelho, i. e., só consigo me enxergar como inteiro a partir do espelho. Da mesma maneira, só consigo enxergar a totalidade de minha atividade a partir das filmagens e também da problematização com outro professor.
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Exatamente. Ao conseguir ter esse olhar sobre si mesmo o professor pode notar o que não conseguiria sem utilizar tal método. Como por exemplo práticas utilizadas por ele que, sem consciência, possam ser as responsáveis por afetas sua saúde.
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Esse método é muito inovador e coloca o professor como crítico de si mesmo. Muitas vezes isso pode assustá-lo e até mesmo a própria palavra “autoconfrontação” pode até afastá-lo, mas tudo isso é uma questão de adaptação, pois é somente com essa relação eu observador e eu observado que o professor reflete sobre sua repetição e recriação. Também se reforça a ideia de que o professor é quem melhor sabe sobre sua prática.
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Sim, Bárbara! É necessário que o coordenador pedagógico insista e explique com calma e clareza, uma vez que só assim se pode curar o que lentamente se instalou no psicológico do professor.
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Exatamente Barbara, penso que com esta autoconfrontação podemos obter muitos resultados positivos para o crescimento do profissional, mas também do individuo.
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Se o método de autoconfrontação for apresentado aos professores de maneira que não os assuste e sim incentive, e for colocado em prática da maneira correta como descrito no post, com os coordenadores tendo a devida formação necessária para o sucesso do método, com certeza pode ser grande aliado para a saúde do docente. A autoconfrontação se torna um instrumento de coanálise, ressignificação e possível transformação da prática do professor
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Brilhante comentário Mayara, penso que a consequência dessa autoconfrontação resultará na transformação da prática docente, mas como você bem colocou é importante que passos sejam dados para que não assuste o professor, pois isso pode implicar na rejeição pela clínica da atividade docente.
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Acredito que a autoconfrontação possui sim uma “aura” que pode assustar os professores que ainda não estão familiarizadas com os métodos da clínica da atividade docente e, por conta disso, ela deve ser apresentada de maneira correta. Por outro lado, pode ser um incentivo ao professor saber que nesse caso será ele julgando a si mesmo, e não um “figurão” distante que pensa saber tudo sobre ensino.
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Concordo contigo, Emanuel. Acredito que a forma de abordagem deve ser cautelosa e o processo propriamente dito, de modo gradativo e delicado. Isso enraíza a compreensão das ações necessárias e o porque em realizá-las do modo que serão feitas. Para que possamos nos posicionar socialmente como profissionais engajados e não como mero “dom” é crucial o desenvolvimento desse autoconhecimento.
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Belo comentário! É bem isso que penso sobre os “figurões”. Os professores acabam se intimidando com novos métodos que surgem para solucionar esse problema, acredito que isso se dê pela falta de eficácia dos métodos disponíveis atualmente.
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Conforme observamos em sala, o processo de autoconfrontação torna-se complexo para o sujeito, que não consegue se expressar de modo profundo a respeito de sua prática. No entanto, esse processo é necessário justamente para a (re) construção de consciência profissional do sujeito. A partir do momento que eu conheço e consigo defender e analisar minha prática, serei capaz de defendê-la e aprimora-la.
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É exatamente isso Jessica, a autoconfrontação ajuda muito os professores que tem dificuldades em expressar sobre a sua pratica.
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Essa autoconfrontação nos ajuda a evoluir, onde podemos confrontar a nós mesmos e nos avaliar, vendo nossos erros e buscando melhorar, nos impulsiona a vencer as dificuldades.
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A autoconfrontação sempre nos ajudará a evoluir independente da profissão que exercermos, pois por meio dela podemos perceber quais são nossos erros e assim podemos a cada dia melhoramos.
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Exatamente, a reflexão que nos é trazido, a partir da autoconfrontação, vai nos ajudar em muito na melhora da nossa prática docente.
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Esse post me fez refletir sobre meu próprio posto de professor. Tive algumas experiências onde, por falta de professores, os próprios gestores tiveram de assumir a sala de aula e, por essas ocasiões, acabaram pensando que a profissão docente não é tão “dura”. É daí que partem as críticas e as visões de quem não costuma estar todos os dias com sua própria turma. Entretanto, creio que com um prévio conhecimento dos métodos da clínica de atividade docente, esses mesmos gestores possam ter uma visão diferenciada dos professores em exercício.
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Depois de termos visto isso em sala de aula, acredito muito no potencial das filmagens e das autoconfrontações, a maneira como se é inserido essa ideia para coletivo implicará em muito sua colaboração com o método da clinica, a palavra autoconfrotação pode trazer um certo desconforto, mas a maneira como vimos que ela é conduzida, ajuda muito no processo de reflexão do professor.
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Ao parar para analisar este método, podemos entender o quão grandioso é o valor. Ao aceitarmos sugestões de melhorias apos sermos observados com o objetivo de um crescimento como um todo, notamos que o coletivo esta sendo concretizado, e que devemos dar espaço para essas sugestões.
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