Diálogos em autoconfrontação cruzada: dar aulas digitando em pé, inclinado ou sentado?
por Anselmo Lima
Do processo de reflexão mencionado no post anterior, destaco o seguinte trecho de diálogo entre o Professor “A” e o Professor “B”:
PB: o problema que eu falo de digitar inclinado né… você não vai ficar três aulas
PA: não
PB: digitando inclinado né… vamos concordar que ficar três aulas inclinado sobre o computador… quatro ou cinco vezes por semana ((risos))…
PA: não… e outra coisa… eu percebo assim… é porque… não é uma posição confortável para o professor… então… a gente não tem aquela fluência para digitar…
PB: você não tem o apoio… você não tem nada
PA: é… o apoio… o mouse do lado… e coisa… e ficar inclinado eu acredito… na minha opinião… é a pior situação… ou digita sentado… assim… para o professor conseguir… ou sentado… ou se tivesse um esquema de pé… inclinado… sei lá… o professor é assim ó… você tá em uma posição que não é agradável para ti… então de repente você vai querer terminar rápido… digitar rapidinho para voltar e sentar torto ou de pé e tal e… quem acaba prejudicado também é o aluno
Observa-se que os docentes entram em relativa controvérsia, engajando-se em processos argumentativos com o objetivo de defender seus posicionamentos e práticas pedagógicas iniciais. O Professor “A” vinha apresentando seu ponto de vista em relação ao gesto de digitar inclinado quando o Professor “B” se manifesta argumentando contra essa possibilidade: “o problema que eu falo de digitar inclinado” é que “você não vai ficar três aulas digitando inclinado” e “vamos concordar que ficar três aulas inclinado sobre o computador… quatro ou cinco vezes por semana ((risos))… [só pode trazer sérias consequências para sua saúde física]”.
Diferentemente do riso inicial do Professor “A”, que manifestou dessa forma sua descrença em possíveis investimentos na melhoria imediata de suas condições de trabalho pedagógico, o riso do Professor “B” parece indicar um processo no qual trata com humor a disposição de seu colega para digitar inclinado, mesmo que isso signifique prejuízos para a saúde física. O Professor “A”, por sua vez, querendo demonstrar que não está excessivamente apegado a seu ponto de vista inicial, concorda com o colega: “não é uma posição confortável para o professor” e nela “a gente não tem aquela fluência para digitar”. Então começa a considerar outras possibilidades, sem delas se convencer, como se oscilasse em seu discurso entre duas possibilidades contraditórias, não conseguindo resolver o conflito entre elas existente: “ficar inclinado eu acredito… na minha opinião é a pior situação”, “ou digita sentado… assim… para o professor conseguir… [digitar]”, “ou se tivesse um esquema de pé… inclinado… sei lá…”.
Finalmente, esteja o professor em pé, inclinado ou sentado, o Professor “A” – com a concordância de seu colega – afirma que o docente se encontra “em uma posição que não é agradável” e “de repente […] vai querer terminar rápido… digitar rapidinho para voltar e sentar torto ou de pé e tal”. Afirma, ainda, sempre mediante a concordância de seu colega, que, no fim das contas, além do professor, “quem acaba prejudicado também é o aluno”.
Como interpretar o diálogo dos professores apresentado nos últimos cinco posts (ver a sequência um, dois, três, quatro e cinco)? É o que procurarei mostrar em breve.
Vejo que essas divergências são bastante positivas, pois nas duas posições defendidas pelos docentes há preocupação com os alunos e também com a própria saúde dos docentes. No entanto, o que acaba por acontecer é que um dá preferência pelo cuidado de sua saúde e o outro da preferência para a aprendizagem dos alunos. No entanto, vale destacar que, nesse diálogo, eles chegam em um acordo: não é mais possível digitar inclinado.
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Como dito no post anterior, se não for possível comprar bancadas novas para os professores, eles terão que revesar suas prioridades, ora dando atenção a saúde, ora aos alunos, pois ninguém quer chegar à velhice com problemas na coluna, mas também professor algum quer formar alunos incompetentes.
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Exato, nesse caso cabe aos professores a sabedoria para conseguir conciliar tanto a sua saúde como o desenvolvimento dos alunos. Impossível não pensar como pequenas coisas que podem parecer insignificantes a primeira vista, tornam o trabalho do professor extremante complexo.
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Concordo com vocês, Camila e Mayara, também acho que há a necessidade de conciliar a saúde do professor e o desenvolvimento dos alunos, é necessário um equilíbrio para que não se torne algo desgastante para o professor.
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E é a soma dessas “pequenas coisas insignificantes” que leva o docente ao esgotamento. Imagina um professor que trabalha 20 anos em uma mesma escola, todos o dias vivendo a mesma rotina, certamente, se não reinventar a sua prática, ou se não tiver alguém dando suporte, os problemas na saúde começaram aparecer, cedo ou tarde ele vem.
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Muito interessante perceber esse diálogo entre os dois professores. Debatendo, argumentando, repensando, ou melhor, refletindo. Também me chamou muito atenção a questão de como os “não-ditos” , no caso dos dois risos diferentes, expressam características da prática dos dois professores.
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A questão dos “não-ditos” é interessante pois se tratam de uma discussão a respeito da sude dos professores.
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Exato, Barbara! Fica implícito que os professores não acreditam em alguma mudança empírica nessas áreas. O riso já demonstra seu desengajamento com as possíveis melhorias.
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Podemos perceber como esse dialogo entre os professores é importante pois possibilita que o professor se auto observe pois meio dos apontamentos feitos pelo professor observador.
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Acredito que essa relação profissional analítica construtiva só tende a trazer benefícios aos envolvidos na Clínica. Somos pessoas e profissionais cheios de experiências e bagagens tão valorosas. A partilha destas peculiaridades somam na construção identitária do sujeito e tendem a criar laços, relações saudáveis, o que refletirá tanto em nosso aspecto profissional quanto pessoal.
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Ficam bem claras as diferentes perspectivas sobre o método docente de cada professor. O riso do professor “B” demonstra certa incredulidade das condições de trabalho e as futuras consequências de sua saúde física. Entretanto, o diálogo de ambos proporciona reflexões importantíssimas não só para os docentes, mas também para seus alunos.
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Algo que, para mim, foi bem perceptível, foi justamente a diferença entre o estilo de aula de cada professor e, consequentemente, a perspectiva de cada qual diante uma problemática. Mesmo com essa singularidade, os dois conseguiram contribuir positivamente para o processo de cada qual.
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